Modus Sinodalizandis

Crónicas 10 outubro 2024  •  Tempo de Leitura: 4

O que significa caminharmos juntos na dimensão mais profunda da vida? Temos experiências de vida diferentes e nenhuma tem mais valor do que outra. Podemos pensar que a catolicidade das nossas crenças consiste em vivermos todos a mesma fé, mas ter uma única fé é diferente de ter uma mesma fé. 

A sinodalidade que nos entusiasma a caminharmos juntos pressupõe a riqueza que provém da diversidade de experiências. Só se formos diferentes é que nos podemos unir. Caso contrário, seria como se fossemos o mesmo, homogeneizando o nosso modo de viver. A facilidade com que comunicamos, de alguma forma, tem influenciado os nossos modos de vida no sentido de uma certa uniformização e isso pode ser perigoso para um caminho sinodal. 

Ampliámos o ambiente físico em que interagíamos uns com os outros através de encontros pessoais, aos ambientes digitais onde essa interacção é mediada por algoritmos. Os algoritmos são insensíveis ao conteúdo das nossas interacções, mas ampliam tudo o que favorece o tempo que passamos diante de um ecrã. Uma visão pessoal sobre a realidade à nossa volta não se faz apenas da partilha de opiniões entre nós. O nosso contributo original provém da reflexão pessoal que fazemos, quando confrontamos o que vivemos com o que escutamos e formamos uma opinião por nós próprios. Porém, formar uma opinião pessoal exige um espaço de encontro com os nossos pensamentos. Espaço esse que é cada vez mais ocupado com mergulhos infindáveis pelo mar da informação. A tendência que os ambientes digitais exercem sobre a formação da nossa opinião, é a de manter-nos dentro de uma bolha uniformizante de pensamentos com os quais nos identificamos, quando a melhor forma de formar uma opinião própria seria no confronto com o que pensa de forma diferente. 

O impacte das redes de informação no nosso modo de formar uma opinião tem sido alvo de reflexão pessoal ao ler o mais recente livro do historiador Yuval Noah Harari, Nexus, onde me confronto (mais vezes do que gostaria) com uma visão infantil da religião, desprovida de qualquer significado que não seja uma posição extrema entre facto que entra em conflito com fantasia. A primeira reacção foi a de pensar em dar 1 estrela na revisão que faria depois de ler o livro, por estar a custar-me não poder interagir directamente com o autor e dizer-lhe — «Isto não faz sentido, nem corresponde à realidade.» Porém, a um dado momento dei-me conta de que tinha uma tendência natural para rejeitar e desconsiderar opiniões que não partilho. Era a resistência ao valor da diversidade de opiniões e da diferença de visões que me dificultava aquele caminho que fazia junto com o autor pela leitura do seu livro. Não é muito diferente quando estamos juntos ao redor de uma mesa com a intenção de fazer uma experiência de sinodalidade.

A sinodalidade parece ser uma ameaça à unidade porque sabemos o quanto podemos entrar em conflito quando nos afastamos de uma cultura do diálogo. Pelo contrário, numa cultura de diálogo, o pensamento do outro que difere do meu não é um obstáculo, mas um trampolim à experiência de caminho que juntos podemos fazer.

Caminhar juntos na dimensão mais profunda da vida que mexe com as nossas convicções, implica aprender a caminhar no silêncio, durante um exercício de escuta activa, onde o centro da nossa atenção não são as palavras em que estamos de acordo, mas o espírito de abertura que acolhe as ideias que não partilhamos. Será este o modus sinodalizandis?

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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