Que posso eu esperar?
Que pergunta incómoda num tempo em que todos esperam que tudo piore... São as guerras; são os conflitos armados em diversos países e regiões do planeta; são as alterações climatéricas como se tem visto na vizinha Espanha; é a pobreza que ameaça um número de pessoas cada vez mais assustador... Onde está a esperança?
Curiosamente num fim de semana onde celebramos Todos os Santos e os Fiéis Defuntos, tive a graça de ler dois textos fundantes desta esperança cristã.
Em primeiro, a Mensagem para a Semana dos Seminários 2024 de D. Vitorino Soares:
«"Que posso eu esperar", situa-nos numa outra direção. Sem nos distanciarmos dos desafios, que muitas vezes nos levam a traduzir, a espera ou o esperar, por aguardar, estamos convidados a traduzir a espera por esperança. Não esperar que aconteça, mas lutarmos e confiarmos que possa acontecer. Este é um movimento que o salmista constrói n'Aquele que é capaz de fazer acontecer, por isso, acrescenta o salmo 39: "a minha esperança está no Senhor", num Senhor que não nos abandona.»
Em segundo, a Carta-Testamento de Sammy Basso, que sofria de progéria, um distúrbio genético raro e não hereditário que provoca um envelhecimento extremamente acelerado e precoce, que morreu no início do mês passado com 28 anos de idade.
Sammy Basso estava preparado para o dia da sua morte, que chegou inesperadamente num domingo, durante o copo de água de um casal de amigos seus. O jovem investigador, tornou-se famoso não só pelo seu empenho internacional no campo científico no estudo da sua patologia, mas também por ter sempre falado publicamente com sorriso e ironia. O texto, que é um hino à vida e um extraordinário testemunho de fé, foi lido durante a homilia do funeral, pelo bispo de Vicenza, D. Giuliano Brugnotto. Transcrevo alguns trechos:
«Quero que saibam antes de mais que vivi a minha vida feliz, sem exceções, e vivi-a como um homem simples, com momentos de alegria e momentos difíceis, com vontade de fazer bem, ora conseguindo e ora falhando miseravelmente.»
«Não sei a causa e como vou deixar este mundo, certamente muitos dirão que perdi a batalha contra a doença. Não deem ouvidos! Nunca houve nenhuma batalha para travar, houve apenas uma vida para abraçar tal como era, com as suas dificuldades, mas sempre esplêndida, sempre fantástica, nem recompensa nem condenação, simplesmente um presente que me foi dado por Deus.»
«A glória pessoal, a grandeza, a fama não são mais do que coisas passageiras. O amor que se cria na vida, porém, é eterno, pois só Deus é eterno, e o amor vem de Deus. Se há coisa de que nunca me arrependi é de ter amado tantas pessoas na minha vida, e muito.»
«Toda a minha vida devo-a a Deus, cada coisa bela. A Fé acompanhou-me e eu não seria quem sou sem a minha Fé. Ele mudou a minha vida, pegou-a, fez dela algo de extraordinário e fê-lo na simplicidade do meu dia a dia.»
Sammy sabia que os seus esforços para encontrar uma cura teriam pouco sucesso. Mas também sabia que os progressos que poderia ter feito iriam ajudar os outros. E conseguiu porque, esta sua investigação foi muito além dos limites da ciência médica. Foi ao ponto de encontrar, para todos nós, a fórmula para curar não uma doença grave, mas a vida, que nestes últimos tempos é marcada por rugas graves e profundas. Não as comuns que marcam o cansaço e a ansiedade dos dias, mas os sulcos que o tormento da guerra e do desespero desenha em cada rosto, cavando-as. Os conflitos acontecem sempre que a vida perde o valor, é ridicularizada e poucos cuidam dela. E não apenas nas guerras. O ódio espalha-se desde os campos de batalha até às nossas cidades e aldeias. Envenena o ar e polui o nosso quotidiano.
Amar a vida da forma como Sammy nos revelou é a cura para tempos como estes. Não inventou, uma vacina para ser administrada em doses a toda a gente, mas disse e mostrou que pode ser praticada. É aquela esperança que é capaz de fazer acontecer!
Como disse o Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério, no passado dia 2 no Mosteiro de São Vicente de Fora: «O alicerce, o fundamento da nossa esperança, é a ressurreição.»
E é também para isto que rezo e espero que os nossos seminários preparem os futuros sacerdotes. Muito mais que normas e dogmas precisamos que nos evangelizem na esperança da Ressurreição.
Que façam acontecer...