Se aprendêssemos a lição…
Ainda e presença fresca na nossa memória e na vida concreta dos nossos irmãos, habitantes de Valência, a tragédia das inundações. Conseguimos aprender alguma coisa?
Vidas perdidas, milhões de euros em habitações, carros e serviços públicos, uma economia local que sofrerá fortes repercussões. E depois, a insegurança generalizada. Porque perder a casa significa também perder as memórias, aqueles fragmentos de vida e de história pessoal.
Porém a presença e o trabalho gratuito de tantas pessoas que foram de toda a Espanha para ajudar, atenuam o sofrimento, mesmo que o cansaço e a dor permaneçam. Pode parecer absurdo, mas é verdade. Quem já passou pelo sofrimento atroz percebe, sente.
Assistiu-se a uma extraordinária mobilização de voluntários. Homens e mulheres, jovens e velhos, padres e freiras, todos juntos a remover a lama e a salvar o que se pode salvar. Como durante a Covid-19 quando médicos, enfermeiros, jovens, cidadãos comuns que se voluntariavam, mesmo com risco de vida, para ajudar os mais fracos e as pessoas mais isoladas. Ou mesmo como nos últimos incêndios em Portugal.
Não há dúvida de que é precisamente a emoção, o sentimento que leva muitos a abandonar a rotina do quotidiano e a sujar as mãos. Mas esta origem sensorial de mobilização face à dor alheia não deve ser desprezada. Na verdade, destaca uma disposição humana original: a empatia, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro. Da qual nasce a solidariedade.
O grande filósofo Emmanuel Levinas ensinou-nos que é “o rosto do outro” que nos chama à responsabilidade, despertando a nossa consciência moral. Perante uma tragédia como esta a consciência desperta-se e mobiliza capacidades que pensávamos serem desconhecidas. Um efeito que é tanto mais forte quanto mais próximo estiver esse rosto, trespassando todas as nossas defesas. Ao ponto que já não conseguirmos virar a cara.
Tudo isto nos ensina que a dimensão emocional é fundamental para a vida humana, para conhecer o mundo e nos posicionarmos corretamente na realidade. Um ensinamento muito importante numa sociedade que sofre de um distanciamento da realidade. Uma distância que alimenta aquela indiferença a que o Papa Francisco muitas vezes chama à atenção: quando tudo está distante, desfocado, cinzento, os nossos corações tornam-se frios como pedras e já não são capazes de se aquecer, de se apaixonar, de se importar.
A solidariedade não é uma ideologia. Pelo contrário, é uma atitude profundamente enraizada nas nossas vidas. É a resposta a um chamamento que percebemos nos nossos sentidos e que nos impele para uma ação concreta. Deve ser cultivada, educada, alimentada se queremos ter uma humanidade e uma sociedade melhores. A ideologia é a negação desta capacidade humana.
O Papa Francisco chama a este movimento espontâneo de fraternidade.
Porém, esta onda de emoção vem, passa e vai. Como água. Mas esta experiência de solidariedade no sofrimento permanece, em quem a vive e em quem a recebe. Não vai compensar todos os danos sofridos, mas já é muito. E faz-nos dar passos em direção a um futuro que desejamos ser diferente e menos dramático. Mais amigável e mais humano.
Se aprendêssemos a lição…