Trabalhamos tanto para quê?
É um tema muito delicado, sério e extremamente sensível. Não ponho em causa a necessidade de um trabalho digno e profissional. É essencial para dar qualidade à vida!
O que me deixa preocupado é ver como a atividade laboral absorve, de forma abrangente, a vida, o dia, a pessoa, quase como se fosse um deus ao qual se podem oferecer renúncias e sacrifícios. E só Cristo é Rei!
O meu dia de ontem começou com um funeral. Para além de mim, uma colaboradora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com uma sensibilidade extraordinária à condição humana e social dos idosos, e o diácono permanente. Os funcionários da agência funerária, guardaram alguma distância. Não é episódio único na cidade de Lisboa. Durante as Exéquias desta nossa irmã, o recolhimento só era quebrado pelo passar dos carros na rua, as enxadas dos coveiros que continuavam o seu serviço e as palavras do ministro.
Quantas pessoas se cruzaram com esta pessoa? Quanta gente ajudou ou foi ajudada? Com quantos riu e chorou? Com quantos brincou, passeou, comeu? Com quem trabalhou? Foram tantas as questões que povoaram o meu ser...
De regresso ao trabalho e perante o stress de tantos colegas e, por vezes, também meu, a pergunta: Para quê?
De facto, acontece tantas vezes que o trabalho, necessário como meio de subsistência e de realização pessoal, a certa altura já não responde às aspirações profundas do nosso coração. São muitas as vezes que temos a sensação que estamos a deixar algo para trás. Que estamos a privar-nos de alguma coisa mais importante, mais preciosa.
Quanto tempo e quanta energia absorveu ele em detrimento de valores inegociáveis, como a família (enquanto casais, pais ou filhos), os amigos, o tempo livre, o tempo para nós mesmos?
Esta dedicação tem um preço elevado. Quantas vezes, nos deparamos com uma profunda divisão de nós mesmos? Com a sensação de vazio e até de solidão?
Acontece frequentemente, depois de anos dedicados à carreira profissional e com sacrifícios consideráveis, encontrar-nos dilacerados, com a sensação de profunda rutura entre a vida e a profissão, como se tivéssemos uma vida dupla... E só Cristo é Rei!
O livro do Apocalipse de S. João é o mais rico em visões fortes e até violentas. O seu objetivo é revelar a luta dramática entre o bem e o mal e a vitória de Cristo, o Cordeiro sacrificado.
Dá-nos uma palavra de esperança sobre a história e a vida do Homem. Portanto, não devemos desanimar! Cada crise é um tempo de graça que, se for acolhido e vivido, desencadeia um processo de libertação interior. Como um renascer, podemos recomeçar a desfrutar novamente da nossa vida quotidiana.
Não será isso que nos pede de novo o Advento?