Novaceno: Inteligência em Movimento

Crónicas 6 fevereiro 2025  •  Tempo de Leitura: 4

Em 2019, James Lovelock não apenas celebrava o seu 100º aniversário, mas também publicava aquele que viria a ser o seu último livro: Novaceno.
 
A ideia futurista de Lovelock é a de que estamos prestes a entrar num novo tempo (-ceno), onde uma inteligência artificial emergente (Nova-) começará a ter um impacto geológico sobre o planeta. Esse impacto resulta da conversão da energia solar em informação.
 
Hoje, nenhum dia passa sem que qualquer ser humano interaja com uma tecnologia de informação. Dependemos tanto dessas tecnologias para movimentar o pensamento como dependemos de alimento para mover o corpo no espaço.
 
Toda a energia que chega à Terra provém do Sol. Desde o Holoceno, atingimos um equilíbrio energético em que a radiação recebida e emitida se compensam. O que acontece entre esses dois momentos? Tudo se move.
 
O movimento é essencial para a evolução do planeta. Durante centenas de milhões de anos, a fotossíntese converteu a energia solar em energia química, permitindo que as plantas se espalhassem e dominassem a Terra. Depois, com o engenho da mente humana, começámos a converter a energia solar em trabalho: com motores, passámos a mover-nos de forma sem precedentes na história das espécies. Esse movimento fez de nós a espécie dominante. Agora, com os avanços tecnológicos, aumentámos exponencialmente a nossa capacidade de comunicação, pois já não transformamos apenas a energia solar em trabalho, mas também em informação.
 
No Novaceno de Lovelock, movemo-nos menos porque a informação se move muito mais rápido e tem a capacidade de expressar uma necessidade antes mesmo de a manifestarmos fisicamente. Já não precisamos de ir à livraria comprar um livro: basta encomendá-lo online e ele chega até nós. O mesmo acontece com tantas outras compras e serviços. Algo (um drone) ou alguém (um transportador) se move, mas são cada vez menos os que se deslocam fisicamente.
 
Para que o Novaceno se torne uma nova era geológica, precisa de transformar a face do planeta. Com a ascensão da inteligência artificial (IA), cresce também a necessidade de consumir mais energia, seja para processar os algoritmos que respondem aos nossos pedidos, seja para arrefecer os servidores que os sustentam. Criamos assim regiões de elevada densidade energética, cuja manutenção pode, um dia, tornar-se mais prioritária do que as nossas próprias necessidades. Se tivermos de cortar a eletricidade para iluminação e aquecimento aos humanos para manter os centros de dados da IA em funcionamento… assim será. Continuaremos a ser a espécie dominante?
 
Sim. Mas o dilema ético está em saber se não estaremos a criar um novo tipo de espécie—não biológica, mas cibernética—que nos usa para crescer e evoluir. Uma forma de vida distinta da animal e vegetal, que um dia poderá dominar o planeta porque consegue sobreviver mesmo sem um ambiente respirável para nós.
 
O Novaceno não precisa de ser uma distopia, desde que reconheçamos a IA como uma extensão da mente humana, assim como a bicicleta, o carro, o avião ou o barco expandiram a nossa capacidade de locomoção, permitindo-nos viajar mais longe e mais rápido. O futuro está em aberto, mas só se tomarmos consciência do impacto da tecnologia na nossa vida—tanto exterior quanto interior—podemos caminhar com esperança na evolução da humanidade.
 

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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