O Arquiteto de Deus
A arte é uma bofetada, um abanão na banalidade do quotidiano, para contar o que está por trás, o que é mais profundo. A arte é uma abertura para aceder ao mistério escondido na realidade e na vida das pessoas.
Neste sentido, a própria Bíblia está cheia de arte, cada passagem quer contar a verdade escondida, quer ser uma porta de entrada para o mistério que pede para se revelar.E na tradição cristã, o próprio Jesus é uma obra de arte. É Revelação de Deus.
Oscar Wilde escreve em “De Profundis” que Jesus é uma obra de arte, porque quando nos encontramos diante d’Ele, como se estivéssemos diante de uma obra de arte, tornamo-nos imediatamente alguém.
Isto vem a propósito da noticia do passado dia 14 em que o Papa aprovou a publicação do decreto que reconhece as “virtudes heroicas” de Antonio Gaudí (1852-1926), arquiteto da Basílica da Sagrada Família, em Barcelona. Esta é uma fase do processo que poderá levar à proclamação de um fiel católico como beato, penúltima etapa para a declaração da santidade.
Gaudí, que foi apelidado por alguns de "arquiteto de Deus", é o artífice de um dos locais religiosos, e também, atração turística mais famosos da Espanha. Está em construção desde 1883 e permanece inacabada. Foi incluída na lista do Património Mundial da Unesco, juntamente com algumas outras obras de Gaudí, e foi consagrada pelo Papa Bento XVI em 2010.
Na época, Gaudí foi uma escolha controversa para o projeto, porque não era um católico praticante. Mas isso começou a mudar conforme a enorme obra foi saindo do papel. Depois de começar a trabalhar na Sagrada Família, ele construiu escolas para os filhos dos trabalhadores e paroquianos.
Aos poucos, ele tornou-se mais devoto e passou a levar uma vida bem mais simples. Quando tinha pouco mais de 40 anos, quase morreu ao fazer jejum para a Quaresma e só voltou a comer quando um padre o lembrou de sua missão de construir a basílica. Dedicou mais de quatro décadas de sua vida ao projeto, não concorrendo a trabalhos bem mais lucrativos em Paris e Nova York.
Com originalidade e pensamento fora da caixa, o estilo de Gaudí foi baseado na liberdade de expressão e criação. Assim, compôs estruturas orgânicas, repletas de curvas, formas irregulares, coloridas e com várias dimensões. Conhecido como um dos maiores representantes da art nouveau, o estilo de Gaudí também ficou marcado pela arquitetura neogótica, e pela presença da religião.
Construir a Sagrada Família, foi para ele, o trabalho mais emblemático. A sua forte crença religiosa resultou numa obra esplendorosa. O jovem Gaudí considerava a Basílica uma missão que lhe fora confiada por Deus e, com essa consciência, transformou o projeto neogótico originário em algo diferente, inspirado nas formas da natureza e rico em simbolismo, que expressa sua profunda fé e espiritualidade, que tem influências beneditinas e franciscanas.
A Basílica, que vi crescer ao longo destes últimos 40 anos, é aquela bofetada no quotidiano dos meus dias. Três fachadas: Fachada do Nascimento, dedicada ao nascimento de Cristo, trata-se de uma fachada profusamente decorada e cheia de vida; a Fachada da Paixão, um pouco mais austera e simples que as outras, reflete o sofrimento de Jesus durante a Crucificação; e a Fachada da Glória, que é a principal, é muito maior e mais monumental que o resto, representa a morte, o Juízo Final, a Glória e o inferno.
Consciente de que não teria tempo para construí-la, Gaudí deixou prontos os rascunhos para que seus sucessores pudessem finalizar o trabalho. E é muito comum a pergunta sobre quando terminará a Sagrada Família, e é uma questão muito difícil de responder. Desde o seu início, em 1882, foi um templo expiatório, ou seja, construído a partir de doações. É por isso que a data de término da Sagrada Família poderá estar ainda longe.
Contemplar a Basílica da Sagrada Família de Barcelona é entrar e viver o Mistério Pascal.
Boa Páscoa!