As mulheres que são de Deus
Hoje, ao contrário do que acontecia há muitos anos, as mulheres que entram numa vida religiosa não o fazem porque foram mal amadas, por amores não correspondidos, não o farão para ter acesso a uma boa formação académica ou por uma ridicula obrigação familiar: fazem-no por uma atração pela espiritualidade e por um Amor incondicional que lhes vem do mais íntimo do seu coração.
Podia passar horas a escrever sobre este Amor incondicional mas eu não sou a melhor pessoa para fazer isso: eu só passei pelas brasas.
Hoje, estas pessoas são vocações adultas, talvez por isso mais maduras e mais refletidas.
Tantas destas novas vocações são mulheres e homens com frequência universitária, que foram a discotecas, festas, tiveram namorados e namoradas, tiveram possivelmente experiências sexuais, que usaram biquini na praia e minissaia, que riram e continuam a saber rir alto, mas a quem o mundo não basta.
Tenho a certeza que nas suas vidas tenha mudado o invólucro, mas não o conteúdo.
Acho que às vezes as coisas deixam de fazer sentido quando batemos à porta de Coisas maiores, aquilo que só os olhos fechados e o silêncio absoluto compreendem, o que a ciência não explica: essa coisa extraordinária chamada Fé.
Levaria linhas e linhas a escrever-vos sobre o Amor que vejo nos olhos das irmãs que conheço.
Nos olhos da Irmã Laurinda, por exemplo, (metam-se com ela e mal sabem a resposta pronta que levam com um doce sorriso nos lábios!), nos olhos do Padre Tony Neves (a forma como ele está sempre a dizer piadas e a fazer-nos rir), nos olhos doces da Irmã Anabela (cuja inteligência e brilhantismo batem de longe a retórica de qualquer pessoa que conheço), nos olhos da Irmã Isabel (que ajudou tanta gente com fome e ajudou a tratar tanta criança com a mesma veemência com que um dia enfrentou ladrões em Maputo) ou o olhar tão envelhecido e tão doce de uma irmã que um dia conheci, que tinha pegado numa arma para se defender a si e aos doentes que tinha consigo na altura da guerra em Moçambique.
Ao lado dela morreram irmãs tuberculosas que deixavam de comer para os doentes terem com que se alimentar.
E podia falar-vos do andar de gigante de um padre pequeno que vive nas prisões portuguesas e estende a mão a criminosos como se fossem seus irmãos: aqueles marginais que todos nós queremos ver atrás das grades (e com alguma sorte, deitar a chave da cela ao mar para nunca mais lhes sentirmos o cheiro).
Estas pessoas são especiais e houve um tempo na minha vida que sonhei ser como elas.
Este tipo de vida em felicidade não é fácil de explicar: não há roupa gira, não há saltos, não há luxo, não há sexo, não há alcool, não há filhos: há maternidade nas irmãs (nunca espero conhecer uma irmã que não seja maternal), mas não há filhos.
Às vezes partilho com amigos a ideia de que tinha dado uma boa freira, mas o meu caminho foi outro.
Seria fácil libertar-me dos saltos altos, dos namorados e ser feliz numa casa que conheço e que fica ali para os lados da Idanha, mesmo de hábito e capuz, ou de calça de ganga e t-shirt como tantas manas (irmãs) usam por aquelas bandas para trabalhar.
A Cruz brilha-lhes no peito como se fosse uma forma de dizerem a quem pertencem.
Aprendi a reconhecer uma irmã a 7 km de mim: pela postura, pela expressão e sobretudo pelo carisma no seu olhar.
Há uma espécie de magia nessa comunhão toda que não encontramos nas pessoas que trabalham connosco no escritório, nem nas que correm ao nosso lado no metro.
A vida religiosa é só mais um caminho possivel onde falar de igualdade também é preciso; e batalhar por ela também.
O voto de obediência impede irmãs de reclamarem para si um lugar que PODE e DEVE ser seu: mas os leigos não estão impedidos de servir essa luta POR ELAS. A de termos irmãs a celebrar, de termos bispas.
Sonho com esse dia.
Talvez já não esteja cá para ver Bispas num sinodo, ou uma Papa, mas não faz mal.
Acredito que um dia a Igualdade também chegue à minha Igreja e, se assim for, quando esse dia chegar, eu vou dançar lá no Céu.
[Inês Leitão | ©Capazes.pt]