Fragilidade
A fragilidade exige do ser humano um olhar lúcido e crítico para a discernir por trás das aparências da força, da solidez e da robustez. Mostram-no alguns exemplos bíblicos. É necessária a sabedoria do vidente Daniel para reconhecer um imponente império e a sua queda na enorme estátua feita de ouro, prata, ferro e bronze, mas com os pés em parte de ferro e em parte de barro, que se desmorona ao cair de uma pedra sobre os pés de barro (cf. Daniel 2,31-35). Como é necessário o olhar profético de Jesus sobre a cidade de Jerusalém, sólida e compacta arquitetonicamente, para reconhecer e chorar a sua ruína iminente, enquanto os inconscientes peregrinos que a ela chegavam entoavam o canto alegre do Salmo 122 (cf. Lucas 19,41-44). É necessário o olhar penetrante de Jesus que vê a precariedade da imponência e do esplendor do templo de Jerusalém, de quem prenuncia a proximidade da ruína diante dos seus discípulos, que dele admiravam as pedras e os dons votivos (cf. Mateus 24,1-2; Marcos 13,1-2; Lucas 21,5-6). Os impérios desabados no decorrer da histórias, as igrejas desaparecidas em algumas regiões do mundo, as ilhas que se afundaram nos mares, as cidades destruídas por terramotos, os montes de ruínas deixados pelas guerras ou desastres naturais, são exemplos da evidente, universal e sempre dominante fragilidade.
Também o desmoronamento de um império, como o fim de uma relação conjugal, como a falência de uma grande empresa podem parecer imprevistos, mas na verdade são preparados por uma história, mais ou menos longa. Será preciso um fator desencadeador, intervirá a clássica gota de água que faz transbordar o copo, mas também o fim tem uma história que se oculta na fragilidade inerente ao próprio império, à relação conjugal, à grande empresa. Aquilo que aparece imprevistamente e se apresenta como inelutável, na realidade tem uma história. Dependência, carência, sofrimento (mas temos de colocar estes termos no plural) são dimensões da humana fragilidade. A fragilidade originária e constitutiva do humano está inscrita no seu próprio corpo. O umbigo é uma cicatriz indolor, central, ineliminável da nossa dependência originária: é a cicatriz do nosso nascimento. O centro do nosso corpo é ocupado pela memória de uma ferida originária que diz a nossa dependência e a nossa fragilidade constitutiva.
O pediatra e psicanalista Donald Winnicott afirma que o recém-nascido não existe, no sentido que não poderá viver sem a presença da mãe: sem uma pessoa que cuide dele, não poderia sobreviver. Se tudo isto pode parecer dado como adquirido, interessa-me ainda mais sublinhar que a fragilidade pode estar no coração da humanização do ser humano.
Mas mesmo antes do ser humano, a evolução mostra que são precisamente as fragilidades, as imperfeições e a casualidade que permitem aos sistemas, aos seres vivos e ao próprio ser humano de evoluir. «Se o naturalista quer compreender como funciona a evolução, deve procurar as imperfeições, as partes inúteis e vestigiais, porque elas são o rasto das mudanças passadas e promessa de mudanças futuras. Onde há imperfeição, há alguma coisa que acontece, um acontecimento, um processo, uma mutação, uma relação. Ao contrário, a perfeição é, por definição, plenitude intemporal», escreve Telmo Pievani.
O nascimento do ser humano, que o vê em choro e nu, exposto e à mercê do mundo, exprime já a fragilidade da sua condição: esta fragilidade poderá ser ocultada, coberta, esquecida, mas nunca será ultrapassada. Sabemos bem que, em relação aos animais, o ser humano precisa de um tempo infinitamente mais longo para se tornar autónomo. A fragilidade do ser humano é exprimida por Maria Zambrano com a ideia do nascimento prematuro, incompleto: O ser humano «deve não tanto construir a sua vida, mas prosseguir o seu incompleto nascimento; deve nascer aos poucos ao longo da sua existência, mas não em solidão, antes com a responsabilidade de ver e de ser visto, de julgar e de ser julgado, de dever edificar um mundo no qual possa ser contido este ser prematuramente nascido».
O homem é o ser que vem ao mundo mais prematuramente, e tem, portanto, de providenciar, com instituições e cultura (família, sociedade, escola, educação, direitos, etc.), a construir-se um mundo habitável, um mundo que seja à medida da sua fragilidade, um mundo que o possa proteger. Nascimento e morte são os dois polos da fragilidade que encerram em si a vida humana. Tanto o recém-nascido como o moribundo estão confiados ao cuidado dos outros; tanto o recém-nascido como o moribundo têm de ser vestidos por outros, enquanto no tempo entre nascimento e morte o ser humano se veste por si. Nascimento e morte instituem o ser humano colocando-o no horizonte da fragilidade. O nascimento é marcado por uma dependência, por uma passividade originária a que se chega novamente no morrer: em latim, os verbos “nascer” e “morrer” são depoentes, isto é, têm forma passiva e sentido ativo. Com o nascimento, a fragilidade colora-se das tintas originárias da perda, da rotura, do afastamento, da separação, do corte corpóreo da mãe. Daí em diante a vida será um processo de distanciamentos que permitirão novas afeições. Sinal posterior, este, de uma dimensão de precariedade que é “tout court” a condição humana.
Demasiadas vezes as fragilidades tornam-se ruturas, fim traumático de relações, angústia, loucura, e então a resposta a dar situa-se no plano da solidariedade, da presença, da compaixão ativa, da ação de justiça e de misericórdia, tanto no plano interpessoal como no social, médico, político, para lhe atenuar os efeitos desumanizadores
O pediatra e psicanalista Donald Winnicott afirma que o recém-nascido não existe, no sentido que não poderá viver sem a presença da mãe: sem uma pessoa que cuide dele, não poderia sobreviver. Se tudo isto pode parecer dado como adquirido, interessa-me ainda mais sublinhar que a fragilidade pode estar no coração da humanização do ser humano. Também a paleoantropologia o mostra. Nos anos 50 do século passado, foi encontrado, no Iraque, o esqueleto de um homem de Neandertal que deveria ter cerca de 40 anos no momento da morte, e que estava gravemente diminuído, e que nunca teria podido sobreviver sem a ajuda constante do grupo de pertença. Em vez de excluir do seu grupo a pessoa com deficiência, o grupo assumiu o seu cuidado: como se a exclusão fosse sentida como insuportável. Esta opção, contrária à lógica da utilidade que domina o mundo dos vivos, conduz a uma reorganização profunda da sociedade, colocando no centro dela a pessoa diminuída.
Temos aqui um indício importante que tem consequências para a vida pessoal, social e política. O encontro com o ser humano que visualiza no seu corpo ou no seu psiquismo os sinais da maior das fragilidades conduz o ser humano a descobrir o sentido verdadeiro da sua própria humanidade. A fragilidade humana diz respeito às relações, à saúde, ao trabalho: se o ser humano não se reduz às suas fragilidades, a verdade é que o seu ser está por elas literalmente empastado. A fragilidade diz a nossa exposição, a nossa abertura, que é ao mesmo tempo abertura à vida e ao amor, como ao risco e ao perigo.
Não se trata de nenhum elogio da fragilidade: que elogio há a fazer quando uma relação amorosa ou de amizade se esfolia e morre, talvez dando lugar ao ódio e ao rancor? Que elogio há a fazer quando a fragilidade esmaga uma pessoa, conduzindo-a ao suicídio? Que elogio há a fazer quando a dor faz enlouquecer uma pessoa? Demasiadas vezes as fragilidades tornam-se ruturas, fim traumático de relações, angústia, loucura, e então a resposta a dar situa-se no plano da solidariedade, da presença, da compaixão ativa, da ação de justiça e de misericórdia, tanto no plano interpessoal como no social, médico, político, para lhe atenuar os efeitos desumanizadores. A justiça liberta da morte, ou, pelo menos, liberta dos efeitos mortíferos de tantas ruturas existenciais, permitindo atravessá-las e, portanto, assumi-las, impedindo-as de pronunciar a palavra “fim” sobre o nosso viver.
[Luciano Manicardi | In Avvenire]