As razões do amor

Razões para Acreditar 1 junho 2020  •  Tempo de Leitura: 8

Um dos aspetos característicos da tradição católica é que ela olhou sempre com simpatia para a razão, considerando que representa uma dimensão constitutiva do ser humano que deve ser envolvida na opção da fé e na existência evangélica que se lhe segue. Com efeito, o cristianismo não é uma opção irracional, ilógica, que vai contra as exigências da inteligência, mas tem a sua racionalidade, ainda que diferente da científica.

 

Esta convicção, no entanto, pode conduzir a pensar erradamente que a experiência cristã pode ser vivida nos limites exclusivos da razão, e a considerar que aqueles aspetos do cristianismo que não parecem “sensatos” podem e devem ser abandonados. Desta maneira, a própria visão da realidade ou da cultura a que se pertence torna-se a norma para julgar a doutrina da fé e para a depurar de aspetos e posições que, por algum motivo, se avaliam como irracionais ou inaceitáveis.

 

Teologia é pensar a fé da Igreja

 

Segundo o P. Y. Congar, esta perspetiva é exatamente aquilo que conduziu alguns cristãos ao caminho da heresia, como afirma nesta passagem da sua obra “Verdadeira e falsa reforma na Igreja”: «Em vez de tomar o cristianismo como “costituito” na Igreja, como uma realidade existente à qual se assimilar, o herético considera-o à maneira de um sujeito de pensamento a construir mediante a inteligência. No herético vem em primeiro lugar a atitude crítica e construtiva do espírito; o fiel coloca em primeiro plano a submissão à realidade constituída e a vida na realidade cristã no seio da Igreja; o raciocínio só intervém em seguida, e exerce-se então com grande liberdade, mas na Igreja e segundo o seu espírito. Para o herético, a Igreja é ou pode estar ainda por inventar, para construir; para o fiel, ela existe concretamente, mas é preciso servi-la, alimentá-la, agir no seu âmbito».

 

Em resumo, é preciso utilizar a própria razão para pensar a fé da Igreja, isto é, para a compreender melhor também à luz das instâncias da cultura em que se vive – esta é a tarefa da teologia –, mas isto deve acontecer após tê-la aceitada na sua integralidade tal como foi transmitida.

 

No fundo, o cristianismo não é uma aventura intelectual individual ou o resultado criativo de uma busca de Deus na qual a própria inteligência faz texto, mas nasce do acolhimento do testemunho eclesial sobre Jesus Cristo e sobre o Pai e sobre o chamamento do mundo inteiro à salvação. A racionalidade teológica serve para compreender e acolher de maneira humana este dom, não a julgá-lo.

 

Infelizmente, o risco de usar de maneira imprópria a razão na experiência cristã está presente ainda hoje. A criatividade de alguns cristãos, inclusive ministros da Igreja, pode impeli-los a propor um cristianismo muito envolvente porque depurado daqueles aspetos que, na nossa cultura, são problemáticos.

 

Não raro quem age desta maneira tem um grande sucesso no plano pastoral, porque oferece às pessoas, sobretudo aos jovens, um projeto de vida que lhes permite pensar que são ainda profundamente cristãos e, ao mesmo tempo, não renunciarem a nenhuma das instâncias e convenções características das suas mentalidades.

 

O cristianismo torna-se, então, um revestimento religioso da ética ou do bom senso comum, e se isto, no imediato, pode criar um grande entusiasmo, a longo prazo distancia as pessoas da vida eclesial. No fundo, se a fé não é mais do que uma legitimação religiosa das opiniões correntes, não serve para nada.

 

Verdadeira e falsa inculturação

 

Uma versão particularmente complexa deste problema emerge no interior do tema da inculturação do anúncio evangélico. Como emergiu também no recente sínodo sobre a Amazónia, a comunicação da fé deve ser sempre insculturada, isto é, declinada no interior dos símbolos e das linguagens de uma determinada cultura, porque, em caso contrário, não seria compreendida. Todavia, por vezes entende-se essa inculturação como aquilo que pode tornar a fé aceitável como algo de óbvio e de dado como adquirido.

 

Na realidade, a escolha de se ser cristão tem sempre um traço dramático, porque a razão não pode oferecer as garantias necessárias para garantir a bondade da decisão. É o amor, com efeito, que definitivamente impele a lançar-se na relação “perigosa” com Jesus e com o Pai na força do Espírito. Escolher ser cristão, em suma, é um pouco como decidir casar-se, ou seja, dar a sua vida a uma outra pessoa para sempre e totalmente. A razão poderá e deverá oferecer algumas motivações a favor da decisão, mas certamente não poderá garantir com segurança absoluta que seja a acertada. No fim, só se decide quando se cessa de raciocinar, deixando-se guiar pelo amor pela outra pessoa.

 

Acontece algo de análogo na opção cristã, na qual há uma entrega total sem se dispor das certezas que a razão pretenderia, porque só se têm as garantias que o amor pode dar. Por isso, o testemunho de quem se confiou e está a percorrer com alegria esse caminho – e sobretudo de quem já o percorreu pelo melhor, isto é, os santos – é de grande importância.

 

A inculturação, portanto, não serve para tornar o cristianismo algo de óbvio. A queda das vocações para o ministério ordenado, para a vida consagrada e para o matrimónio cristão, como também o facto de muitas pessoas, hoje, optarem por não acreditar, não se devem necessariamente a uma má tradução do cristianismo nas culturas contemporâneas, mas mais provavelmente a uma espécie de medo das comunidades em propor a experiência cristã na sua dramaticidade.

 

No entanto, a decisão de seguir o Senhor não deriva da nossa capacidade de lhe motivar a dimensão racional ou a normalidade, mas da ação do Espírito, que, diante de um autêntico anúncio do Evangelho, move no íntimo as pessoas e dá-lhes a força para escutar as razões do amor.

 

[Massimo Nardello | In SettimanaNews]

tags: Teologia, Amor, , Igreja

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