Karol Wojtyla, por Tolentino Mendonça

Pastoral da Comunicação 24 maio 2020  •  Tempo de Leitura: 4

Há cem anos, a 18 de maio de 1920, nascia Karol Wojtyla. Com o nome de João Paulo II, ele viria a guiar a Igreja Católica ao longo de mais de duas décadas e meia (de 1978 a 2005), num pontificado a diversos títulos marcante. As primeiríssimas palavras que proferiu após a eleição, “Não tenhais medo. Abri, ou melhor, escancarai as portas a Cristo”, constituem o seu programa. Na proposta, que implementou com admirável energia e clareza, Jesus deveria entrar em todas as dimensões da vida humana, para animá-la e fortalecê-la. É isso que deixa expresso na primeira das 14 encíclicas que marcarão doutrinalmente o exercício do seu papado: “A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e, de modo particular, do nosso, é a de dirigir o olhar do homem e de endereçar a consciência e experiência de toda a humanidade para o mistério de Cristo... Simultaneamente, toca-se também a esfera mais profunda do homem, a esfera — queremos dizer — dos corações humanos, das consciências humanas e das vicissitudes humanas” (“Redemptor Hominis”, 10). Wojtyla soube ser assim mestre da fé e mestre da humanidade.

 

Foi o primeiro Papa não italiano desde o século XVI e também o primeiro eslavo na história da Igreja a ocupar o sólio de Pedro, facto cheio de significado, pois representou uma abertura — e não só simbólica — ao oriente. Muitas vezes João Paulo II se referiu aos “dois pulmões”, ocidental e oriental, que fazem respirar o catolicismo, mas que redimensionam igualmente a visão tradicional da Europa, interpretada por ele como uma realidade que parte do Atlântico até aos Urais. Não admira que a grande viragem de 1989 tenha tido nele um dos seus protagonistas centrais. Na verdade, ele compreendeu, muito antes de outros, que a época do mundo dividido em blocos estava a terminar. O processo de interconexão a nível mundial pedia novas formas de pensamento e de presença. À globalização do mundo deveria corresponder, por exemplo, um estilo de papado global. E João Paulo II, não se poupou. O número de quilómetros que percorreu de avião é eloquente, 1.163.885, correspondente a 104 viagens apostólicas e 129 países visitados.

 

Um dos tópicos fortes do seu pontificado foi exatamente o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Será o primeiro Papa a visitar uma sinagoga e uma mesquita

 

Ele trabalhará intensamente para reabilitar o papel da religião num mundo secularizado. Um dos tópicos fortes do seu pontificado foi exatamente o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Será o primeiro Papa a visitar uma sinagoga (Roma, 1986) e uma mesquita (Damasco, 2001). Empenhou-se pessoalmente no Encontro de Assis, que reuniu os principais representantes religiosos de todas as tradições. Insistiu na associação entre prática religiosa e cultura da paz, afirmando que é uma blasfémia legitimar a guerra em nome de Deus.

 

Mas para João Paulo II era também claro que as próprias religiões precisam de reganhar uma credibilidade espiritual. Por isso, permite-se repensar criticamente o passado da Igreja e, num exercício de purificação da memória, pedir perdão pelo recurso histórico à violência. Na sua entourage alguns temem que este processo enfraqueça a instituição eclesial. Mas Wojtyla avança. A sua capacidade mobilizadora é irradiante. No célebre discurso feito nas Jornadas Mundiais da Juventude, em Compostela, ele diz aos milhares de jovens que o escutam: “Chegou a hora de empreender uma nova evangelização e vós não podeis faltar a esta chamada urgente”. Esta categoria da “nova evangelização” surge do seu diagnóstico de que atualmente “a fé cristã, mesmo sobrevivendo em algumas manifestações tradicionais e ritualistas, tende a desaparecer nos momentos mais significativos da existência” (“Christifideles laici”, n. 34). Por isso, João Paulo II a assumirá como desafio central do seu pontificado.

 

[SEMANÁRIO#2481 - 16/5/20]

Artigos de opinião publicados em vários orgãos de comunicação social. 

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