Falar de Fátima é falar de Deus, da Igreja, do homem

Mariologia 3 agosto 2019  •  Tempo de Leitura: 9

Portugal não se pode entender sem Fátima. Um sacerdote português fez uma tese de doutoramento em Lovaina (Bélgica), que foi depois publicada com u sugestivo título “Fatimização do povo português”. É verdade que Fátima faz parte da identidade do nosso povo. E, tendo em conta a sua posição no mundo, quase sinto vontade de dizer que é também um pouco da alma de toda a gente. Por isso digo que Fátima é também o “altar do mundo”.

 

Haverá algum país, mesmo de regiões e religiões distantes, que não tenha vindo a Fátima? Há algum país que a imagem da Virgem de Fátima não tenha visitado? Está a ser projetado um filme com muitas e muitas destas visitas, onde – e não é de admirar – a imagem da Virgem de Fátima é recebida em festa e, não raro, até por “multidões” imponentes.

 

Fátima é de Portugal. Fátima é do mundo.

 

Porquê?

 

O acontecimento/motivo (quase) todos o conhecem: a 13 de maio de 1917 uma «Senhora vestida de branco» surpreende três crianças de idade muito tenra, de nome Lúcia, Jacinta e Francisco, que, por terrenos de montanha, levavam ao pasto o rebanho da família. Estávamos no final da primeira guerra mundial, na qual participavam muitos jovens portugueses, e vivia-se em Portugal tempos de quase guerra civil, com os desassossegos provocados pela instauração da República. Esta Senhora, que aparece aos pastorinhos entre os ramos de uma azinheira, fala-lhes de paz, de conversão dos pecadores, dos sacrifícios que dizem respeito a um «homem vestido de branco». O santo padre João Paulo II?

 

Poucos acreditaram nos pequenos pastores, muitos troçavam deles, e alguns membros da família pediram-lhes que dissessem que nada tinha acontecido, que era uma ilusão deles, ou até uma invenção de divertimento entre amigos.

 

Claro que, como sempre, o bispo não acredita neles, a Igreja não acredita neles. Foi necessário que passasse o tempo para que todos se dessem conta dos acontecimentos que estavam a ocorrer, da sabedoria que mostravam aquelas crianças quase analfabetas, e que transmitiam a partir quer das conversações da Senhora vestida de luz, quer das intervenções do Espírito Santo.

 

Surpreendidas por aquilo que as crianças escutavam, as pessoas – e de seguida também os sacerdotes e o bispo – não podiam não recordar a exclamação de Jesus: «Bendigo-te, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e revelaste-as aos pequeninos». A admiração deu lugar à fé e à devoção, e aquele lugar sagrado pela presença da Senhora torna-se “património da humanidade” e fonte de graça e de paz.

 

Fátima, cada vez mais, é um precioso dom de Deus a Portugal. Recorda-lhe a cada instante que Portugal nasce cristão e que deve conservar a sua fé. Com a Virgem de Fátima aprendemos a cantar: «Não se chama português quem cristão de fé não seja». Acrescente-se que nunca os governantes, nem os partidos, nem os políticos “se meteram” contra Fátima. E não é só por motivos de turismo ou daquilo que dele vem, mas também e sobretudo porque

 

Fátima é o maior fator de coesão social. Chamamos também Fátima uma universidade sempre em atividade, onde se aprofunda a fé mediante cursos permanentes dirigidos a grupos de cristãos, marcados com os mais variados graus de preocupação espiritual, com resultados pessoais e sociais.

 

Depois, não posso não me referir à qualidade dos responsáveis que a diocese de Leiria e os bispos portugueses escolhem para assumir tão grandes encargos.

 

A “fé” em Nossa Senhora

 

O santuário – e não poderia não ser assim – está também muito próximo das imensas “chagas” do mundo de hoje. É caso para repetir: «Obrigado, Senhor nosso Deus, por Fátima».

 

A nossa televisão (e outras), por ocasião das grandes peregrinações, procura – creio que com boas intenções – conhecer dos peregrinos aquilo que os conduziu a Fátima, considerando que milhares deles vêm a pé, de longe, de muito longe. Ouvi esta resposta que, no fundo, oculta muita teologia: «Vim porque tenho muita fé em Nossa Senhora. Não acredito em Deus, mas acredito muito na Nossa Senhora».

 

Não há mãe sem filho. Não descobri então que, na fé na Mãe, estava muito escondida dentro de si a fé no Filho, a fé em Deus. Só lhe faltava ainda a oportunidade para abrir por inteiro a porta do seu coração ao Espírito Santo.

 

Morreu há pouco um político [António de Almeida Santos] que, nos tempos da pós-ditadura, prestou relevantes serviços ao país. Via com muita clareza os tempos novos que chegavam, e que a cada dia chegam, e escreveu um livro precioso com este título: “Que nova ordem mundial?”. É interessante que ele, apesar de se declarar ateu, dizia que temia que no nascimento desta nova civilização voltassem a ser valores os contravalores da atual civilização cristã. Depois o nosso autor, no livro citado, narra uma história que pode servir bem como prova de uma tese: Deus está aqui, e Maria conduz-nos a Ele.

 

Trata-se de um célebre sacerdote francês, escritor e político que perdeu a fé, abandonou o exercício do sacerdócio, confessava-se raivosamente ateu e anti-teísta. Toda a França o conhecia. Este cavalheiro possuía nos subúrbios de Paris uma bela e famosa propriedade, onde muitas vezes se refugiava. Nesta propriedade havia uma fonte de água fresca, que se encontrava algo afastada, de tal maneira que se tinham de percorrer alguns metros fora do percurso para lá chegar. O proprietário nunca renunciava a deliciar-se próximo dela, e o cavalo que montava sabia de cor o caminho até ela, evitando todos os obstáculos. Mas um dia - tudo acontece num dia – o cavalo distraiu-se e saltou para a fonte, e o mesmo aconteceu ao senhor que garbosamente servia. Este, aflito, gritou: «Ai, minha Nossa Senhora, ajuda-me». Ao recuperar-se do susto, surpreende-se a fazer-se perguntas “incómodas” sobre as invocações a Nossa Senhora. Não sei onde chegou, mas também aqui impõe-se uma conclusão: Deus estava lá. Onde está a Mãe, está o Filho.

 

Fátima é um púlpito

 

Fátima é do mundo, em cada latitude procura levar o Evangelho de Jesus, e com ele a doutrina social da Igreja, nunca perdendo de vista que o mundo é o altar da Igreja, que a sua missão é “sair” para estar com todos, sobretudo com os mais desgraçados, esquecidos, explorados. Nisto é ajudada pela força e pelo espírito fresco do concílio Vaticano II, e pelo exemplo e pelas exortações inspiradas do papa Francisco.

 

Falar de Fátima é falar de Deus; é falar da Igreja; é falar do homem. Fátima é, por isso, um púlpito onde se proclama a grandeza, a importância, a dignidade do homem, e o nosso papa, com toda a certeza, é esta imagem que nos anuncia e nos deixa, porque só na aceitação e na prática destes valores se consegue conquistar a paz, que o mundo desgraçadamente não sabe, no nosso tempo, o que é. Mas terá havido algum tempo em que o soube?

 

Fátima é caminho aberto e certo para a paz, caminho aberto e certo para uma sociedade fraterna, solidária, feliz. E não devemos esquecer que Maria está a operar também noutros santuários do mundo.

  

[D. Manuel Martins (1927-2017) | In: Settimana News (Texto de 2016)]

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