Conto: As três crianças da Cova da Iria
A Lúcia e os primos Francisco e Jacinta gostavam muito uns dos outros e nada os alegrava mais do que estarem juntos nas brincadeiras, nas festas de família e nas tarefas de pastoreio das ovelhas dos pais. A par das traquinices próprias da tenra idade, dos divertidos jogos infantis que faziam e das variadíssimas melodias populares que cantarolavam, não deixavam nunca de rezar.
Um dia, os três pastorinhos, apascentavam o rebanho, como tantas outras vezes, num terreno pertencente ao pai da Lúcia, numa zona chamada Cova da Iria. Era dia 13 de maio e, sensivelmente ao meio-dia, depois de rezarem apressadamente o terço para irem brincar, foram surpreendidos por dois clarões que pareciam relâmpagos. Temendo que começasse a chover, reuniram o rebanho e decidiram regressar a casa. No entanto, repentinamente outro clarão apareceu e as três crianças surpreendentemente viram em cima de uma pequena azinheira uma imagem feminina.
Era uma senhora que apresentava uma luz muito clara e intensa, mais brilhante que o sol. A sua túnica era branca e da mesma cor o manto, orlado de ouro que lhe cobria a cabeça e descia até aos pés. As suas mãos estavam juntas, apoiadas no peito e voltadas para cima a rezar e da mão direita pendia um rosário. Percebendo que as três crianças estavam assustadas, a senhora disse-lhes:
- Não tenhais medo. Eu não vos faço mal. Sou do Céu. Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero.
Depois, disse-lhes que eles também iriam para o céu, apesar de o Francisco precisar de rezar muitos terços. De seguida, perguntou-lhes:
- Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?
A Lúcia, o Francisco e a Jacinta responderam afirmativamente. De seguida, Nossa Senhora disse-lhes que teriam que sofrer muito mas que a graça de Deus seria o seu conforto e abriu as mãos, comunicando-lhe uma luz muito intensa. Então, as três crianças ajoelharam-se e invocaram a Santíssima Trindade a quem adoravam e amavam no Santíssimo Sacramento. Depois, Nossa Senhora, tendo consciência de que na altura se desenrolava a Primeira Guerra Mundial, disse-lhes:
- Rezem o terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra.
De seguida, elevou-se suavemente em direção a nascente e uma luz como que lhe abriu o caminho até desaparecer.
Os meninos não sabiam o que pensar daquilo tudo. Ninguém iria acreditar-se se contassem o que tinham visto e o que Nossa Senhora lhes havia dito. Passariam facilmente por mentirosos ou malucos. Prometeram entre si que nada diriam mas a Jacinta tão entusiasmada com a senhora tão bonita que tinha visto contou tudo em casa e a verdade é que a notícia correu a alta velocidade. Quase ninguém acreditava nas crianças e tiveram que sofrer muito, inclusive da parte da própria família, que queria que desmentissem tudo.
No mês seguinte, no mesmo dia e à mesma hora, os três pastorinhos lá estavam no mesmo local. Com umas cinquenta pessoas curiosas por perto, os meninos notaram novamente um clarão que parecia ser o reflexo de uma luz que se aproximava. As pessoas que ali se encontravam viram a luz do sol obscurecer-se e a azinheira curvar-se ligeiramente. Como se fosse um zumbido de abelha, algumas pessoas ouviam a Lúcia a falar com Nossa Senhora. Ela disse:
- Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que rezeis o terço todos os dias e que aprendam a ler. Depois, direi o que quero.
Depois, a Lúcia pediu a cura de um doente e que levasse os três para o céu e Ela respondeu:
- Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o seu trono. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus.
Nesse momento, Nossa Senhora abriu as mãos e irradiou o reflexo de uma luz imensa e as três crianças viram-se inundadas da graça de Deus. A Jacinta e o Francisco pareciam estar na parte dessa luz que se elevava para o céu e a Lúcia na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um coração cercado de espinhos. Era o Imaculado Coração de Maria ultrajado pelos pecados da humanidade necessitada de reparação. Depois, Nossa Senhora, envolta ainda na luz que d'Ela irradiava, elevou-se suavemente da arvorezinha na direção do leste até desaparecer totalmente.
Na terceira aparição, uma nuvenzinha acinzentada pairou sobre a azinheira, o sol ofuscou-se e uma aragem fresca soprou sobre a serra. Os meninos voltaram a ver o reflexo da luz do costume e ouviram Nossa Senhora dizer:
- Quero que venhais aqui no dia 13 do mês que vem, que continuem a rezar o terço todos os dias, em honra de Nossa Senhora do Rosário para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer. Continuem a vir aqui todos os meses. Em outubro direi quem sou, o que quero e farei um milagre que todos hão de ver para acreditarem. Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial quando fizerdes algum sacrifício: ‘Ó Jesus, é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria’.
Ao dizer estas últimas palavras, Nossa Senhora abriu as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo de luz que delas saía pareceu penetrar a terra e mostrou às crianças um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados nesse fogo estavam os demónios e as almas, como se fossem brasas com forma humana que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas e caíam para todos os lados, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor as crianças. Depois, Nossa Senhora disse-lhes com bondade e tristeza:
- Vistes o Inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, começará outra pior. Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem aos meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz, se não, espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim o meu Imaculado Coração triunfará. Em Portugal conservar-se-á sempre o dogma da fé.
De seguida, a Lúcia, o Francisco e a Jacinta viram ao lado de Nossa Senhora um anjo com uma espada de fogo que pedia insistentemente penitência e, no meio de uma luz divina imensa, viram um bispo vestido de branco, ficando com o pressentimento de que era o Santo Padre. Vários outros bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas subiam uma escabrosa montanha no cimo da qual estava uma grande Cruz. Terminada esta visão, Nossa Senhora disse:
- Não digais nada disto a ninguém. Ao Francisco sim, podeis dizê-lo. Quando rezardes o terço, dizei depois de cada mistério: ‘Ó meu Jesus! Perdoai-nos e livrai-nos do fogo do Inferno, levai as almas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem’.
Depois, como de costume, Nossa Senhora começou a elevar-Se em direção a nascente, até desaparecer no imenso firmamento, enquanto se ouvia um trovão.
No dia 13 de agosto, quando deveria acontecer a quarta aparição, os pastorinhos não puderam ir à Cova da Iria. Tinham sido levados pelo administrador do concelho de Vila Nova de Ourém, um republicano anticlerical e maçon, que queria à força arrancar-lhes o segredo.
Nesse dia, tinha-se juntado uma enorme multidão que aguardava a aparição de Nossa Senhora. Por volta do meio-dia, ouviu-se um trovão, ao qual se seguiu um relâmpago e as pessoas viram uma pequena nuvem branca durante alguns minutos sobre a azinheira e testemunharam diversos outros fenómenos estranhos.
Os meninos continuaram presos e, apesar de várias ameaças físicas de que foram alvo e de promessas sedutoras, permaneceram inabaláveis e nada revelaram. Na manhã do dia 15 de agosto, depois de mais um vigoroso interrogatório, foram libertadas e regressaram a Fátima.
No dia 19 de agosto, no lugar dos Valinhos, começaram a produzir-se as alterações atmosféricas que precederam as aparições anteriores. Depois de uma súbita diminuição da temperatura e do esmorecimento do sol, Nossa Senhora apareceu sobre uma azinheira um pouco maior que a da Cova da Iria e disse aos pastorinhos:
- Quero que continueis a ir à Cova da Iria no dia 13 e que continueis a rezar o terço todos os dias. No último mês farei o milagre para que todos acreditem. Façam dois andores, um leva-o tu Lúcia com a Jacinta e mais duas meninas; o outro que o leve o Francisco com mais três meninos. O dinheiro dos andores é para a festa de Nossa Senhora do Rosário e o que sobrar é para a ajuda de uma capela que hão de mandar fazer. Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o Inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas.
De seguida, como habitualmente, começou a elevar-se em direção a nascente e os meninos cortaram alguns ramos da azinheira para levarem para casa pois exalavam um perfume singularmente agradável e suave.
No dia 13 de setembro, havia entre 15 a 20 000 pessoas na Cova da Iria. A multidão assistiu ao súbito arrefecimento da temperatura e a luz do sol esmoreceu significativamente a ponto de se verem as estrelas. Inesperadamente, viram uma espécie de chuva feita de pétalas irisadas ou flocos de neve que caía mas desaparecia antes de pousar na terra e observaram o movimento lento e majestoso de um globo luminoso pelo céu.
Tendo aparecido o habitual reflexo de uma luz imensa, em cima da azinheira do costume, Nossa Senhora disse às três crianças:
- Continuem a rezar o terço para alcançarem o fim da guerra. Em outubro, virá também Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dores e do Carmo e São José com o Menino Jesus, para abençoarem o Mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda. Trazei-a só durante o dia.
De seguida, Lúcia deu conta a Nossa Senhora que muita gente lhe havia pedido intercessão. Nossa Senhora respondeu que alguns doentes seriam curados e que em outubro faria o milagre para que todos acreditassem. E, como de costume, começou a elevar-se e desapareceu lentamente.
No dia 13 de outubro, em virtude de as três crianças terem dito que Nossa Senhora faria um milagre para que todos acreditassem, apareceram na Cova da Iria cerca de 50 000 pessoas.
Chovia torrencialmente e toda a multidão esperava ansiosamente os três pastorinhos. Enquanto nervosamente esperavam o que poderia acontecer naqueles terrenos enlameados junto à famosa azinheira, muitas pessoas rezavam e ajoelhavam-se numa atitude de imensa humildade.
Quando os três meninos chegaram ao local, a Lúcia pediu às pessoas que fechassem os guarda-chuvas para rezarem o terço. Poucos momentos depois, os pastorinhos viram o reflexo da luz forte do costume e, em seguida, Nossa Senhora sobre a azinheira, que disse à Lúcia:
– Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário e que continuem sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para suas casas. Quanto à cura dos doentes e à conversão dos pecadores que me pedes, uns, sim mas outros, não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados. Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido.
De seguida, Nossa Senhora, abrindo as mãos, refletiu-as no sol e, enquanto se elevava, viu-se o reflexo da sua própria luz a projetar-se nele. Então, Lúcia disse à multidão que olhasse para o astro rei. Os três pastorinhos viram, ao lado do sol, S. José com o Menino e Nossa Senhora vestida de branco com um manto azul e a Sagrada Família que abençoava a humanidade. A Lúcia ainda conseguiu ver Jesus a caminho do Calvário a abençoar o mundo e a Virgem Maria como Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora do Carmo.
A maior parte da multidão presente viu o sol inesperadamente a movimentar-se. A chuva que caía parou repentinamente, as nuvens entreabriram-se e deixaram ver o sol que se assemelhava a um disco de prata fosca e que se podia fitar sem dificuldade. O sol, que parecia uma imensa bola, começou a girar vertiginosamente sobre si mesmo como uma roda de fogo e os seus bordos tornaram-se escarlates. Deslizava no céu, como um redemoinho e espargia chamas vermelhas de fogo.
A sua luz imensa refletia-se no chão, nas árvores, nas caras e nas roupas das pessoas, assumindo tonalidades brilhantes e colorações distintas. O globo de fogo, num movimento impetuoso, parecia tremer, sacudir-se e precipitar-se em ziguezague sobre a multidão que revelava muito medo. Passados uns dez minutos, o sol voltou em ziguezague para o seu lugar e ficou novamente parado e brilhante. Muitas pessoas notaram que as suas roupas, ensopadas pela chuva, tinham secado subitamente.
Além dos milhares de pessoas que testemunharam na Cova da Iria o milagre do sol, muitas outras observaram o fenómeno a muitos quilómetros do local. Muitos jornalistas de todo o país que ali se tinham deslocado espicaçados pela curiosidade relataram na imprensa este acontecimento extraordinário.
A vida dos três pastorinhos, que no ano anterior às aparições de Nossa Senhora tinham já tinham sido visitados por um anjo na Loca do Cabeço e junto ao poço da casa da Lúcia, não voltou a ser a mesma.
Fátima tornou-se a mais profética das aparições modernas e, na linha do Evangelho, e tendo por base a fé, a esperança e a caridade, aparece de forma indelével o apelo à oração confiante, à prática da penitência, ao arrependimento e ao temor a Deus pela conversão dos pecadores.
As repercussões nacionais e internacionais foram enormes. Milhares e milhares de pessoas de todo o mundo passaram a ir em peregrinação à Cova da Iria onde a mãe de Jesus quis aparecer e falar ao mundo através destas três simples crianças.