Perdoar também é esquecer?!

Crónicas 3 janeiro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

São muitas as vezes que ouvimos a frase: “Eu perdoo mas não esqueço!”. Talvez fizesse algum sentido dizê-la se a nossa intenção fosse boa. Não é. Quem diz que perdoa mas não esquece está a dizer, por outras palavras, que não perdoa. Quem está empenhado em não esquecer não pode conseguir perdoar. Esse perdoar sem esquecer é uma espécie de meio perdão; um encontrar-se a meio caminho. Eu pondero ultrapassar o que me fizeste mas, na primeira oportunidade, vou fazer-te sentir que não me esqueci. Se pensarmos nas vezes que já dissemos essa frase (ou outra semelhante) até podemos conseguir encontrar um vestígio de uma boa intenção. Mas se colocarmos essa frase na boca de outra pessoa, e se essa mesma frase nos for dita, vamos ter a impressão (ainda que longínqua e quase inaudível) que a pessoa que a diz não está na disposição de nos perdoar. Vai ficar à espera. Com a atenção de quem espera que o outro resvale e caia.

 

Lamento imenso mas a verdade é que quem perdoa tem mesmo que esquecer. Não se trata de apagar da memória o que foi feito ou dito. Trata-se de tentar esquecer as consequências dessas atitudes ou palavras. Trata-se de querer começar outra vez, esquecendo a mágoa do que ficou para trás. Trata-se de entregar ao coração do outro a nossa compreensão e a nossa esperança. Parece impossível, não parece? Mas não é. É possível perdoar e esquecer. Ou talvez faça sentido colocar a questão numa outra perspetiva: é possível perdoar e lembrar. Lembrar que quem magoa também pode ter sido magoado; lembrar que quem magoa pode não saber amar melhor; lembrar que quem erra também pode aprender a costurar menos erros no futuro; lembrar que o outro é feito da mesma pele que eu. Parece mais fácil, não parece? Tudo muda quando nos conseguimos colocar no lugar do outro. Quando ousamos calçar passos que não são nossos. Mas podiam ser.

 

Então… o que é que se faz com o que é imperdoável? Com o que interrompe o caminho e o rasga totalmente? Com o que nos tira o chão? Perdoa-se e esquece-se. Demore o tempo que demorar. Não podemos ficar reféns do imperdoável. Amanhã, o sol nasce outra vez. Para ti.

Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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