Que deserto ainda tenho de atravessar?
Aproximamo-nos da Páscoa. O sol apareceu e traz-nos também esta promessa de renascimento, de novidade, de haver condições para inaugurar uma vida diferente.
Mas, para viver o novo temos de saber honrar o “velho”. Para viver momentos novos, é preciso ter aprendido com os momentos que vieram antes, e que podem até nem ter sido incríveis ou bons.
Temos a tentação de viver cada dia como se pudéssemos começar tudo de novo, sem olhar para trás. No entanto, e mesmo que sintamos que estamos a avançar, haverá um momento em que seremos obrigados a olhar (e a ver!) aquilo que ficou nas nossas costas e que podemos não ter conseguido sentir (por ser demasiado naquele momento).
Claro que todos os dias nos é dada uma nova oportunidade, enquanto estivermos neste plano da vida. E isso é incrível. Mas os novos dias não trazem apenas uma página em branco. Trazem consigo o que foi vivido antes. O que foi visto antes. O que não foi processado. O que não foi aceite e o que não foi curado.
Somos chamados a viver a Páscoa novamente. Mas também somos chamados a enfrentar o deserto que a precede. E não pode haver Páscoa sem deserto. Não pode existir a Vida sem a Morte. Não pode haver renascimento sem haver renúncia. Seria perfeito se pudéssemos sempre ter o melhor “de todos os mundos”. De todas as perspetivas. Mas não é isso que nos fará crescer ou aprender.
Antes de nos permitirmos celebrar o renascimento que se aproxima (e que a chegada da Primavera também nos traz), talvez valha a pena refletir sobre as perguntas seguintes:
Que deserto estou a atravessar e que companhia preciso para o fazer?
Que desafios tenho arrastado às costas e que preciso de libertar de uma vez?
Que pesos preciso de entregar antes de poder abraçar a leveza que se aproxima?
Se soubermos e nos dispusermos a responder de forma sincera e honesta, talvez nos seja mais fácil viver este tempo de deserto. E talvez seja mais plena a vivência de “nova vida” que se aproxima para cada um de nós.
O deserto não é uma coisa má.
É uma vivência necessária. É um processo inevitável. Se nos permitirmos vivê-lo, talvez a luz que está para se reacender possa encontrar morada em nós para sempre.