Não sejas assim!

Crónicas 10 janeiro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

Nunca consegui entender verdadeiramente o significado desta misteriosa expressão. Dizemo-la bastantes vezes, sem lhe dar muito sentido ou sem pensar muito sobre ele. Parece-me que vivemos submersos num quotidiano que nos exige ser de muitas maneiras. Que nos exige ser, muitas vezes, aquilo que não somos ou que vai contra os nossos mais enraizados princípios.  “Não sejas assim!” Sê o que não és. Faz por ser diferente. Encontra os teus avessos e dá-lhes forma e cor. Faz o que te apetecer. Só não sejas tu.

 

Curioso. Interessante como não há escola alguma que nos prepare para ser aquilo que é preciso. Andamos vestidos de positividades e envergamos disfarces coloridos de alegrias falsas. Supostamente, devemos aceitar-nos como somos. Devemos tolerar, receber e aceitar o que os outros são. Simples, não é?! Não. Não é. É profundamente complexo e quase estúpido viver numa sociedade que nos sorri e nos diz que devemos ser positivos e que, ao mesmo tempo, nos prepara para conhecer uma quantidade absurda de pessoas e contextos que nos vão gritar muitas vezes: “Não sejas assim!”.

 

Em que é que ficamos? Aprendemos a ser bolo com os ingredientes que estão guardados no coração ou aprendemos a ser outra coisa qualquer? Estamos a aprender a conhecer-nos melhor ou estamos a aprender a esconder-nos melhor?

 

Estamos escondidos. Escondidos e envergonhados atrás de todos os “Não sejas assim!” que nos foram dizendo ao longo da vida. Não sejas assim porque as pessoas não vão entender. Não sejas assim porque já ninguém faz essas coisas pelos outros. Não sejas assim porque só no tempo de Cristo é que se dava a outra face. Não sejas assim porque vão fazer de ti gato e sapato. Não sejas assim se queres ser poderoso. Não sejas assim se queres ganhar mais. Não sejas tu. Mais valia deixarmos de ser reféns da nossa fé se ninguém acredita que podemos ser, simplesmente, o que somos. No entanto, não é esse o caminho. Somos muito diferentes uns dos outros. Profundamente diferentes. Dolorosamente diferentes. Vamos magoar-nos muito por sermos feitos de tantos avessos diferentes. Vamos desejar muito que os outros fossem mais parecidos connosco e os outros vão desejar muito que pudéssemos ser mais à sua imagem. Esqueçam. Somos massas muito diferentes. Feitos de páginas muito diferentes. Mais vale deixar cair os disfarces. Sim. Esses disfarces que erguemos depois de todos os “Não sejas assim!”. Não se chora. Não se responde mal. Não se diz a verdade. Não se fazem perguntas. Não se procuram respostas. Não isto e não aquilo.

 

A continuar assim, daqui a nada já não sei se somos o que sempre fomos ou se esta pele é só uma construção feita à imagem do que os outros esperam ver. Já sei. Já sei o que estão a pensar.

 

“Oh…Não comeces. Não sejas assim!”

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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