Tomas conta de mim?!
A vida não é feita de finais felizes. De finais, sim. De finais felizes? Quase nunca. Somos uma coleção de assuntos por terminar, de frases por acabar, de abraços suspensos no tempo. Somos silêncios que deviam ter sido gritos e correntes que deviam ter sido asas. Tudo o que se passa fora de nós parece ultrapassar-nos. As pessoas que conhecemos levam-nos pedaços que não devolvem e obrigam-nos a encaixar mágoas que nunca quisemos ter.
A vida não é feita para finais felizes. Não nos poupa. Não tem compaixão nem cuidado. Atira-nos o mundo para cima e fica a observar-nos de longe, a desejar que sejamos pisados por um peso que nunca foi nosso. As coisas que nos acontecem mudam-nos para sempre. As pessoas que se cruzam connosco, também. Algumas mudam-nos a ponto de deixarmos de nos conhecer. Outras mudam-nos a ponto de desejar nascer outra vez.
Estamos atados uns aos outros por correntes que nunca ninguém viu. Estremecemos quando vemos o sofrimento boiar no olhar de um amigo por causa dessas correntes. Trespassam-nos espadas quando descobrimos um golpe na alegria de alguém que amamos (por causa dessas correntes). Tenho pena que a vida não nos tenha dado laços em vez de correntes. Tenho pena que a vida nos dê nós apertados em vez de liberdade. Tenho pena da compaixão que não temos por quem não nos é nada. As correntes que nos unem são invisíveis mas estão lá. É qualquer coisa sobre ser humano. Sobre ser pessoa. Tenho pena que ainda não tenhamos percebido que o nosso único propósito nesta vida é o de cuidar dos que estão connosco. Espera. Mas então não estamos cá para ser felizes? Para procurar aquela alegria que faz latejar as paredes do coração e da pele? Estamos, pois. Mas ninguém é feliz sozinho e a outra metade da nossa alegria está adormecida debaixo do coração e da pele dos outros.
Falta-nos, ainda, a simpatia que vai para além do “bom dia” e “boa tarde”. Que vai para além do “está tudo bem”. Ninguém é feliz com esta simpatia morna do “vai-se andando”. Falta-nos ter coragem para querer ver o que está nos olhos do outro. Só nesse dia poderemos dizer: “Vou andando. Mas um dia hei-de voar”.