As «vacinas religiosas» (2)
Para continuar com esta crónica, entendo necessário salientar três tópicos essenciais da anterior:
Primeiro. Todos sabemos que, cada vez mais e infelizmente, os sacramentos são pedidos por costume ou tradição. Para muitos cristãos ter os sacramentos é como "ter as vacinas em dia" para nenhum mal nos pegar ou doença atacar.
Segundo. Sabemos também que a validade dos sacramentos não depende da santidade do celebrante, nem da vontade de quem os recebe, mas da obra redentora de Jesus Cristo.
Terceiro. É preciso reelaborar esta pastoral dos sacramentos na perspetiva das crianças e, fundamentalmente, na perspetiva dos cristãos adultos. Porque são os pais ou os avós, que muitas vezes se preocupam com a sua administração.
Os sacramentos sempre se entenderam como "consequência" do anúncio da Palavra de Deus. Depois de a ouvir e meditar, celebro-a nos sacramentos. Porém, a catequese, que é a expressão privilegiada da evangelização, se é importante para as crianças, adolescentes e jovens que se preparam para os sacramentos, já dificilmente chega aos adultos.
E o que fazer das crianças que os pais já nem levam à catequese? Que não falam de Deus nas suas famílias? E se uma dessas crianças, mesmo assim, nos pedirem os sacramentos?
No meu dia a dia deparo-me com muitos destes casos. Aliás, é motivo de partilha entre amigos que trabalham como leigos na evangelização quer na escola, quer no acompanhamento de grupos juvenis que não estão ligados a movimentos religiosos ou paróquias católicas. As crianças não frequentam a catequese porque os pais não a entendem como necessária para a formação nem como importante para a felicidade dos filhos. No entanto, essas mesmas crianças pedem-nos os sacramentos. Qual é o procedimento a ter? Enviá-las para as paróquias. E é aqui que nos deparamos com um "saco" de complicações...
A nossa Igreja ainda vive "agarrada" ao território paroquial como se de um feudo se tratasse. Muitos dos nossos párocos, em vez de procederem a um acolhimento verdadeiramente cristão, "debitam" uma série de procedimentos a cumprir. Não percebem que estas crianças, ao pedirem os sacramentos, já estão a agir "à revelia" dos seus pais. Se antes já não participavam na vida paroquial, não vai ser agora, com idades inferiores aos 10 anos, que o vão fazer...
Esta exigência, já prescrita em normas e regulamentos diocesanos, asfixiam qualquer semente que caia em terra fértil. É uma "seleção pastoral" que deixa muitas crianças de fora. É um "projeto de saúde" que esquece aqueles que não seguem "à risca" o plano de "vacinação religiosa"...
A alternativa a esta "pastoral autoritária" é uma pastoral individualizada, muitas vezes com conversas informais, sem pressas, mas sérias e empenhadas na consciencialização da importância dos sacramentos para a felicidade das crianças. É curioso que este trabalho feito com os adultos é um dos pontos propostos para o próximo Sínodo dos bispos «Os jovens, a fé e o discernimento vocacional», e que se realiza entre 3 e 28 de outubro de 2018.
Os cristãos, padres e leigos empenhados nas paróquias, têm que perceber que é necessário dar espaço à ação do Espírito Santo que "sopra como quer e onde quer"... Têm que perceber que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado...».
p.s.: Aconselho a leitura do comentário às leituras deste fim de semana de D. António Couto.
Uma semana sabática.