O privilégio de celebrar e aprender com o Papa
O Papa Francisco decidiu morar na Casa de Santa Marta, em vez de ocupar os aposentos do Palácio Apostólico. Quando não está em viagem, celebra com dezenas de pessoas na capela da casa. É uma celebração desprovida do habitual protocolo papal, ainda que com regras de segurança.
Eu, na passada quinta-feira, tive a oportunidade - com o meu colega e amigo Pe. Estevinho Pires, que em junho tal como eu comemorou as bodas de prata sacerdotais - de concelebrar com o Papa Francisco na Capela de Santa Marta. Foi um privilégio só possível graças à intervenção do D. Carlos Azevedo, que conseguiu que esta distinção nos fosse concedida.
Bem cedo, passámos pelos detetores de metais. Fomos para uma sala onde nos revestimos com os paramentos para a missa e, de seguida, fomos introduzidos na capela. Pontualmente, às sete da manhã, o Papa entrou na capela, sozinho. Sem acólitos, dirigiu-se à presidência e ele próprio mudou as páginas do missal. O despojamento era tal que nos constrangia.
Como habitualmente, fez a homilia de improviso. Mas foi um improviso que estava devidamente preparado. E, sobretudo, muito vivido, dado os textos que a liturgia propunha para esse dia. Falavam, como o Papa lhes chamou, de "quatro detalhes para viver a vida cristã". São eles: "Amar os inimigos; fazer o bem aos que vos odeiam; abençoar os que vos amaldiçoam; orar por aqueles que vos injuriam".
O Papa reconheceu que "não é fácil" cumprir estes princípios. Mas assinalou que eles "fazem feliz" quem os pratica. E ele sabê-lo-á bem, uma vez que nos últimos tempos terá percebido quanto custa amar, perdoar, abençoar e rezar por pessoas como o ex-núncio Carlo Viganò, que o atacou recorrendo até a falsidades...
No final da Eucaristia, o Papa recolheu-se alguns minutos em oração. E depois, num ambiente de quase informalidade, cumprimentou, um a um, todos os participantes na celebração. Ficou encantado e muito divertido com um postal em banda desenhada que lhe entregámos, com os dez conselhos do Papa Francisco para cuidar do meio ambiente, retirados da sua encíclica "Laudato sii"".
Há quem possa ficar incomodado com este despojamento do Papa e a sua proximidade com os "comuns mortais". Pode argumentar-se que é importante para o papel que o Papa desempenha na Igreja e no Mundo revestir-se de alguma solenidade e, mesmo, de certa sumptuosidade. Não é esse, contudo, o registo deste Papa. Logo na sua primeira aparição pública, assomou à varanda da Basílica de S. Pedro numa impressionante alvura. Prescindiu logo aí dos vermelhos debruados a ouro que os seus antecessores usaram nessa circunstância. E, desde então, o seu discurso - e os seus gestos - têm sido marcados pela simplicidade e pela parcimónia.
Muitos tentam imitá-lo, desde sacerdotes a bispos, mas, quando a simplicidade e o despojamento não são intrínsecos, acabam por soar a falso. A eficácia comunicativa dos gestos do Papa advém de serem autênticos. De traduzirem, não só as suas convicções, mas toda uma vida espiritual alimentada e fortalecida pelo Evangelho.