A Quaresma é tempo favorável para a simplicidade
Todos os dias somos "bombardeados" com notícias de violência, abuso, especulação, astúcia, egoísmo e "chico-espertismo". O espaço reservado a toda aquela gente honesta, que leva adiante não apenas a sua existência com dignidade, mas também a das suas famílias e a própria vida do país, é tão reduzida a ponto de parecer quase inexistente.
No entanto, esta existência de uma população silenciosa, composta por trabalhadores e famílias que quotidianamente, com as suas imperfeições e misérias humanas, se esforçam a desenvolver com dignidade e espírito de serviço as suas ocupações, é imensa. Na realidade, trata-se da maioria da população, generosa e trabalhadora, habituada a não chamar à atenção mas a arregaçar as mangas e que, sem a qual, este país não andaria para a frente. Apesar disto tudo, são poucas, demasiado poucas as vezes que se lhe dá destaque nas redes sociais e nas notícias nacionais.
O meu pai costuma dizer-me que só haverá verdadeira justiça neste mundo quando um pedreiro ou um trolha forem galardoados com prémios nacionais e internacionais e não só os médicos e arquitetos, pelos seus sucessos alcançados. Sim, porque o sucesso de uns não é possível sem os outros.
Dou como exemplo um pai ou uma mãe de família. Ambos imbuídos nas ocupações ordinárias: acompanhar os filhos à escola, o trabalho na fábrica ou escritório, o simples contacto com outros pais e mães, a ajuda aos filhos no estudo ou no desporto, acompanhá-los nos medos e incertezas, a educação para os valores e o bem comum, a sobriedade no consumo ou nas despesas supérfluas, o respeito pelas regras; o esforço em manter a chama acesa no casal, o respeito mútuo e sincero, o trabalho instável; a assistência aos mais velhos e aos amigos; os impostos a pagar…
Nesta quotidiana "ordinariedade" é difícil ver alguma coisa de extraordinário. E no entanto existe. Pode parecer invisível mas é capaz de transformar a nossa sociedade. Na história destes homens e destas mulheres está o testemunho virtuoso de quem experimenta na própria vida, a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa, do bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade, da verdade, liberdade, justiça e caridade dos quais nos fala a Doutrina Social da Igreja.
Não obstante a ausência de "aparição" nos media ou nas redes sociais, toda esta gente não se rende. Antes pelo contrário, vai sempre em frente fazendo experiência quotidiana dos seus próprios limites, das suas próprias misérias, do insucesso e do sofrimento, transmitindo com o seu exemplo tal ensinamento à sociedade no seu todo. A dignidade com que esta gente desenvolve os seus trabalhos diários e cumpre os seus deveres é uma lição para todas as gerações.
A Quaresma é este tempo favorável que nos remete para a simplicidade dos nossos dias, não à espera que algo de extraordinário aconteça, mas no cumprir com coragem e determinação com os nossos deveres e obrigações. Paulatinamente a caminhar para a Páscoa da Ressurreição.
P.S.: Dedico esta crónica aos meus alunos Afonso Coalho e Duarte Martins, por fazerem esta diferença "quotidiana" nos jovens a quem dão apoio escolar (e não só) no Centro de Informação Juvenil do Centro Social Paroquial de São Maximiliano Kolbe, em Marvila.