No meio do turbilhão dos dias, são imensos os episódios que protagonizamos. Como heróis de histórias que acontecem em simultâneo, vivemos tudo ao mesmo tempo. Somos chamados a desempenhar inúmeros papéis e, muitas vezes, pedem-nos que nos afastemos daquilo que somos mais verdadeiramente.

No meio da confusão das rotinas que se repetem, são vários os acontecimentos que sucedem e que parecem amontoar-se como cartas que alguém se esqueceu de colocar, de novo, no baralho. Como feiticeiros sem varinhas de condão, fazemos magia com o tempo que não temos, com recursos que não existem e com pessoas que nem sempre estão disponíveis para os nossos truques.

No meio de tudo o que nos acontece, falta-nos acontecer. Falta-nos perceber que não estamos a viver o suficiente. Falta-nos a coragem para pousar a caneta. Para desligar o monitor. Para não teclar nem mais um minuto. Para não prolongar a conversa. Para não ouvir a discussão que há-de levar a mais um beco sem saída.

No meio de tudo o que nos acontece, falta-nos querer guardar o que é bom. E o que é bom está normalmente debaixo do manto das inúmeras coisas que escolhemos fazer e que acabam por ter muito menos importância. Essa consciência, no entanto, chega-nos sempre demasiado tarde. Quando morre alguém. Quando alguém adoece. Quando percebemos que devíamos ter ido jantar naquele dia. Que devíamos ter ido beber o café. Que devíamos ter ido à festa. Que devíamos ter ido ao concerto. Que devíamos ter feito a chamada. Que devíamos ter dito o que era preciso.

No meio de tudo o que nos acontece, falta-nos querer guardar (só) o que faz falta.