O Matrimónio Sacerdotal

Crónicas 22 outubro 2019  •  Tempo de Leitura: 5

Na reflexão da semana passada, partilhei aqui convosco a preocupação sobre a carência de sacerdotes para celebrarem a Eucaristia. Sem a Eucaristia, não existe a Igreja. Cristo é quem nos congrega; quem nos chama; quem nos alimenta; quem nos salva.

 

A Igreja Latina tem no celibato sacerdotal a sua marca distintiva. Porém, também aludi que a Igreja Católica tem sacerdotes casados. Hoje gostaria de explicar melhor esta questão.

 

Quando falamos de "padres casados", não nos estamos a referir a que os padres possam casar, mas sim, a homens casados que podem aceder ao Sacramento da Ordem.

 

A Igreja Católica é atualmente constituída por 24 Igrejas autónomassui juris. Todas são consideradas Igrejas “sui juris”, ou seja, são autónomas para legislar de modo independente no que diz respeito ao seu rito e á sua disciplina, mas não no que diz respeito aos dogmas, que são universais e comuns a todas elas e garantem a sua unidade de fé, formando na essência, uma única Igreja Católica obediente ao Santo Padre, que a todas preside na caridade.

 

No Ocidente é muito comum, confundir a Igreja Católica com o rito latino, um erro que já prejudicou os católicos de ritos orientais. O que é preciso entender é que todos os católicos latinos são, obviamente, católicos; mas nem todos os católicos são católicos latinos. E esta é mais uma das tantíssimas riquezas do infinito tesouro da Igreja que é Una, Santa, Católica e Apostólica.

 

Ora, só no rito latino é que os candidatos ao sacerdócio têm que ser celibatários. Nos ritos orientais não. nestes, sempre se conservou a possibilidade de homens casados acederem a este sacramento, exigindo ou não ao longo dos séculos, a abstinência sexual depois de ordenados.

 

No rito latino, foi a partir do Concílio de Elvira, na Espanha meridional (306) que apareceu pela primeira vez (pelo menos até agora conhecido) um documento legislativo que prevê a abstinência dos ministros sagrados sob pena de lhes ser retirado o exercício do ministério (Cânone 33).O III Concílio de Latrão (1179) estabelece que o celibato eclesiástico não é de natureza divina, mas apenas canónica, isto é, representa uma tradição que pertence à disciplina da Igreja latina. Mas só no Concílio de Trento (1545-1563) é que esta norma disciplinar foi imposta. Se é norma, é suscetível de alteração.

 

Um dos textos fundamentais do magistério sobre o celibato sacerdotal é a Encíclica do Papa Paulo VI, "Sacerdotalis Caelibatus" de 1967 onde dá destaque ao significado escatológico do mesmo. Podem conferir no n. 34. Porém, é este mesmo Papa que concedeu ao franciscano Carlo Travaglino uma dispensa especial para poder casar, mantendo o múnus sacerdotal. É o único caso que conheço de alguém sendo já sacerdote, pôde casar.

 

Carlo Travaglino conheceu Franca e partilhou com ela o desejo de servir os leprosos na Eritreia. Amava esta mulher e queria casar com ela, mas sem renunciar aos sacerdócio missionário. O seu Bispo, o cardeal Ursi, percebendo aquela vontade, falou com o Papa Paulo VI, que depois de ter refletido, concedeu essa dispensa especial. Carlo e Franca viveram uma vida bela e plena, criando uma rede de solidariedade que construiu dispensários e hospitais para curar estas pessoas, pobres e marginalizadas. O amor deste casal nunca sufocou o amor ao próximo.

 

O meu objetivo não é defender o fim do celibato, mas o de ajudar as pessoas de rito latino a perceberem que a catolicidade é muito maior do que aquilo que vemos na nossa realidade. Além disso, o celibato foi, é e continuará a ser um grande dom de Deus à Igreja e à humanidade. Não está em causa essa opção radical pelos outros. E todos conhecemos os maravilhosos testemunhos dados por tantos sacerdotes Diocesanos, das Ordens, Congregações e Institutos de Vida Consagrada.

 

«Ele acrescentou. "Nem todos são capazes de compreender essa palavra, mas só aqueles a quem é concedido. Com efeito, há eunucos que nasceram assim desde o ventre materno. E há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens. E há eunucos que se fizeram eunucos por causa do Reino dos Céus. Quem tiver capacidade para compreender, compreenda."» (Mateus 19, 11-12)

 

Vale a pena pensar nisto!

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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