O que as paredes do mosteiro escondem
É velho o ditado que diz “quem está no convento é que sabe o que lhe vai dentro”, para dizer que o juízo sobre algo só pode ser feito por quem conhece realmente um determinado assunto ou contexto. Esta história ouvi-a eu contada por quem a viveu há pouquíssimo tempo. Deveria dar-nos que pensar:
Não fosse uma experiência que vivi, por acaso, e não me lamentaria de as paredes dos mosteiros esconderem tanta coisa que, aos olhos incautos (mais ainda aos acutilantes e menosprezadores), fica completamente despercebida.
Vivi por pouco tempo no Norte de Portugal. Em cada final de dia, procurava ir à missa. Era o coroar do dia: o silêncio, a paz interior, a comunhão com a Igreja, a consagração do meu dia ao Senhor, a memória de Cristo presente no aqui e agora. Viver assim a Eucaristia exigia também um espaço calmo, sóbrio, mas bonito e agradável, contemplativo. Assim, nos primeiros tempos, procurei espaços de culto e descobri, a pouco tempo de viagem de casa, um mosteiro. Era mesmo o que me convinha!
O pouco tempo que fui por ali passando, numa rotina quase diária, foi-me dando a ver um lado que aos olhos dos “rápidos fregueses de domingo” fica completamente oculto.
Quem tem o privilégio de ter o contacto com monjas e monges contemplativos sabe, conhece que a sua alegria é sobrenatural, contagiante. Pedem pouco, dão muito – quantas vezes o que o mundo promete, mas não dá – a alegria genuína. Por isso, quem assim vê e sente essa alegria, de quem não se lamenta nem nada pede, não desconfia do que, por vezes, as paredes ocultam…
Assim como fui, voltei. Mas voltei ao mosteiro, para recordar o silêncio e rezar. Ao entrar, uma folha por cima de um caixote de papel pedia: “Azeite para o Santíssimo”. Ponto de interrogação. As irmãs queriam azeite para o Santíssimo? Humm! Pensei… E recordei algumas notas dissonantes aquando da minha passagem por ali: as luzes da igreja, da assembleia, que não se acendiam, somente as do presbitério, mesmo quando já era lusco-fusco; o táxi que se pagava ao padre, velhinho, muito velhinho, pois não havia outro que fosse celebrar Eucaristia (isto tudo porque ficar sem Eucaristia é que não, e todos os esforços para isso se faziam!); as moedas do peditório que eram usadas imediatamente para pagar o pão do padeiro; dos artigos de fabrico próprio à venda não via ninguém comprar… E pensava: com tão poucos fiéis, como se sustenta esta comunidade, ainda tão grande, já com algumas irmãs idosas, dependentes?
O meu reconhecimento e carinho para com aquela comunidade era imenso, pois tinha-me proporcionado o espaço e o tempo de que necessitava para alimentar o espírito. Então, num impulso quase espontâneo, fui comprando bens de que todos carecemos no dia a dia: todos comemos (e não é só arroz e massa!), todos lavamos os dentes, o cabelo, o corpo e a roupa (e, como sou mulher, sei que a higiene feminina não é a mesma de um homem e exige outros cuidados); todos usamos papel higiénico; todos precisamos de papel para imprimir um ou outro documento… Já sem contar que todos pagamos a conta da luz, do gás e da água…
E o carro, um dia, lá levou o donativo... também com o azeite pedido…
Surpresa das surpresas: vi lágrimas nos olhos das irmãs que agradeciam encarecidamente os bens, pois «Estávamos muito necessitadas!», diziam. E pensei: o que não escondem as paredes de um mosteiro... A generosidade das irmãs foi tal que não pude recusar o jantar que me ofereciam. Realmente, quem pouco tem sempre tem para partilhar.
Para a próxima, quando por lá voltar, levo mais azeite… também para a comida. Será que outros o farão em qualquer mosteiro deste país?
Esta história deveria dar-nos que pensar! E desengane-se quem julgue que essa tal comunidade religiosa era uma reduzida comunidade de idosas. Tem cerca de vinte religiosas e várias ainda são bastante jovens.
Não foi a fácil crítica de que foram elas que escolheram esse estilo de vida (na verdade, apenas responderam a um apelo) que esta vivência real me interpelou. No fim disto tudo, o que me ficou a ressoar foram as perguntas: Andam os nossos olhos e os nossos ouvidos cegos e surdos? Até onde a nossa “indiferença fraterna”? É um bom tema para meditar neste Advento.