Não

Crónicas 12 dezembro 2019  •  Tempo de Leitura: 4

Pediram-nos ajuda para um trabalho e dissemos que sim. Depois, delegaram-nos outra coisa e dissemos que sim. Somos considerados pelos outros como das pessoas mais disponíveis e prontas para ajudar. Mas, gradualmente, apercebemo-nos algo: o tempo escasseia.

 

Uma das coisas que mais oiço e experimento, ainda hoje, é a de que as pessoas mais disponíveis para ajudar os outros são as que, em geral, acabam por se queixar da falta de tempo para aquilo que lhes compete ou gostariam de fazer. A capacidade subjacente a este discernimento está ligada a uma pequena palavra: não.

 

Parece ser uma palavra ”negativa”, mas só se nos deixarmos iludir. A palavra é pequena, mas pode ser o suficiente para produzir o efeito que uma farpa faz na pele: faz-se sentir. Por cada sim pronunciado a alguém, dizemos não a outros ou a algo.

 

Nem sempre é claro o que significa dizer não, pois, a palavra não é somente dita, mas faz parte dos nossos gestos. Daí que a delicadeza de um não através do modo como o fazemos pode ser a diferença entre o outro sentir a nossa assertividade ou agressividade. Um não assertivo é respeitoso e, na prática, ajuda-nos a priorizar, de modo a que o nosso tempo e energia sejam, também, mais respeitados do que consumidos. Aliás, quando nos tornamos incapazes de saber dizer não, acabamos por entrar num caminho que nos deixa irritados, stressados e miseráveis.

 

Por vezes é preciso dizer não a nós mesmos, aos outros, para que o desapego seja completo. O desapego que nos ajuda a uma atenção mais plena ao momento presente, conscientes de como as escolhas do presente influenciam a vivência futura. 

 

Por detrás de cada não assertivo esconde-se um sim, mas a quê? A quem?

 

“Poderíamos ouvir, dentro da palavra “não”, um convite ao envolvimento.” (Benjamin Zander, maestro)

 

Talvez seja um sim a uma inspiração inesperada. Onde muitos vêem parente um não um muro, um obstáculo, outros podem ver uma possibilidade que se abre, um trampolim para algo maior ou diferente.

 

A minha filha estava um pouco em baixo porque deveria fazer um trabalho em prol de uma maior atenção à questão ambiental cujo lugar de exposição na escola não era o melhor - ”por que razão hei-de fazer o trabalho quando não vão ligar nenhuma?” - Sofria por antecipação a um não colectivo dos alunos da escola. Talvez tenha sido a experiência que fez ao ver outros trabalhos em momentos anteriores e não ter-lhes ligado nenhuma. Sugeri-lhe - ”e se aproveitasses esse sentimento para pensar o trabalho de um modo novo? Isto é, gostarias de chamar a atenção das pessoas para a necessidade de mudar os estilos de vida. Logo, e se lhes oferecesses doces feitos por vocês embrulhados em papel com um dica simples que levasse a um estilo de vida mais sustentável?” - não quer dizer que esta seja a melhor ideia, mas o importante foi a experiência transformativa de que por trás do limite de um não pode existir a possibilidade de um sim inovador.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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