Quando era jovem, estava no 12ºano, fui a uma conferência de astrofísica no Instituto Superior Técnico em Lisboa. A acompanhar estava um amigo mais velho dos escuteiros e os seus colegas universitários que se voltaram para mim e disseram—«Sabias que, de acordo com a mecânica quântica, neste momento, a tua casa não existe?»—E assim, num ápice, a ciência fazia de mim um sem-abrigo.
Numa medida quântica, o acto de observar uma partícula altera o seu estado, o que implica que, segundo a mecânica quântica, uma coisa não tem existência definida — como posição ou velocidade — até ser observada; antes disso, existe apenas como uma probabilidade ou, diria melhor, possibilidade. O físico italiano Federico Faggin refere a visão holística (do todo) que emerge desta relação entre observador e observado, salientando como ambos existem em reciprocidade. Pois, o que observa traz à existência o que é observado, assim como o observado pode tornar-se observador e trazer à existência quem o observa. Porém, este aspecto da mecânica quântica fez-me pensar no Evangelho de S. João (1, 18) quando afirma—«A Deus jamais alguém o viu.»—, suscitando uma possível compreensão de Deus como criador incriado quando inspirada pela mecânica quântica.
As teorias em ciência não existem como verdades absolutas, mas antes um modo de nós, humanos, descrevermos o que compreendemos, experimentamos e explicamos sobre o mundo à nossa volta. Por outro lado, as abstracções matemáticas dessas teorias são fruto da linguagem usada para descrever os fenómenos físicos, assim como conjugações de palavras produzem sentimentos e ritmos belos numa poesia. O meu propósito ao fazer esta advertência é o de que usar a mecânica quântica para compreender um certo aspecto de Deus não significa provar cientificamente nada que diga respeito ao divino, mas antes oferecer um alinhamento de visões do mundo que nos aproximam ao longo da história da verdade sobre a Realidade.
Se eu 'visse' Deus, Ele seria trazido à existência pela minha observação; mas, sendo Deus a própria Existência — e, por isso, não existindo no mesmo sentido em que uso a palavra para qualquer outra coisa —, deixaria de ser verdadeiramente Deus pelo simples facto de a minha observação O ter feito existir. Por essa razão, jamais alguém verá Deus. Porém, quando pensamos que Deus nos observa, sempre e em todo o lado, não é por julgamento, mas com o propósito de trazer, como afirma a mecânica quântica, a partícula, nós, o universo à existência. Talvez por isso possamos pensar em Deus como o Observador Criador.
Porém, mantém-se ainda a dúvida de que, segundo a mesma afirmação da mecânica quântica, e de não haver forma de observar Deus, de legitimamente questionar a Sua existência. Porém, talvez tenha sido para esclarecer definitivamente essa dúvida que Ele se tenha encarnado e feito humano em Jesus.
Neste Páscoa, não só celebramos o Mistério do Observador Criador que se limitou para ser observado em Jesus, mas celebramos também a Ressurreição como retorno de quem se deixou observar à condição de Observador Criador, apesar de uma pequena e relevante diferença: abrir-nos a porta da esperança de que a vida não perde sentido quando morremos. Pois, a morte não é mais do que sermos semente devolvida à terra para nos unirmos plenamente à felicidade do Amor Eterno, onde seremos um só com o Observador Criador.