Passa-tempo
Winston Churchill escreveu um livro intitulado ”Pintura como Passatempo” onde partilha a descoberta desta actividade como forma de descansar a mente. Penso que todos podemos imaginar a importância para as pessoas com as responsabilidades que ele tinha de o fazerem, mas o que achei mais curioso neste livro foi um detalhe muito, muito pequeno: não tem numeração nas páginas.
Nunca me tinha apercebido de como a numeração das páginas nos livros pudesse funcionar como uma forma de nos apercebermos da passagem do tempo. Na ausência desse número no canto das páginas, resta-nos as palavras e a sua capacidade de nos intrigar e manter atentos ao fluir da narrativa.
Na vida frenética actual, deixar o tempo passar parece um autêntico desperdício. Daí que estejamos sempre online, sejamos dos primeiros a responder aos emails, a reagir a uma mensagem de WhatsApp ou a qualquer publicação nos murais das redes sociais se nelas estamos presentes.
Quando penso naquelas páginas sem número recordo de fazer a experiência de ler sem me preocupar a que ponto do livro estava. Não havia capítulos ou secções. Apenas os pensamentos de um homem sobre o caminho de enamoramento pela arte de pintar. As suas palavras faziam crescer em mim a vontade de me enamorar, também, pelo passar do tempo como modo de nos encontrarmos com o próprio tempo.
Ninguém tem tempo para o tempo.
Quem deixa o tempo passar pretende agarrar a oportunidade de contemplar o próprio tempo.
Viver o passa-tempo não é mais do que nos deliciarmos com a inutilidade de certos instantes. Por vezes penso como nessa inutilidade está a verdadeira liberdade de quem vive o tempo pelo que ele é e não por aquilo que nele fazemos.
Há momentos para tudo. Momentos para trabalhar. Momentos para descansar. Momentos para pensar. Momentos para rezar. Momento para... Mas o passa-tempo convida-nos a parar nos próprios momentos e a não pensar que se destinam a alguma coisa.
Não chega fazer muitas coisas se não gozamos ou compreendemos o sentido com que as fazemos. Para esses, o tempo passa e acaba por faltar. Para Churchill que fazia da pintura um passa-tempo, nela encontrava a companheira de viagem em que
”a idade não a definha, nem o costume envelhece a sua infinita variedade.”