Passa-tempo

Crónicas 30 janeiro 2020  •  Tempo de Leitura: 2

Winston Churchill escreveu um livro intitulado ”Pintura como Passatempo” onde partilha a descoberta desta actividade como forma de descansar a mente. Penso que todos podemos imaginar a importância para as pessoas com as responsabilidades que ele tinha de o fazerem, mas o que achei mais curioso neste livro foi um detalhe muito, muito pequeno: não tem numeração nas páginas.

 

Nunca me tinha apercebido de como a numeração das páginas nos livros pudesse funcionar como uma forma de nos apercebermos da passagem do tempo. Na ausência desse número no canto das páginas, resta-nos as palavras e a sua capacidade de nos intrigar e manter atentos ao fluir da narrativa.

 

Na vida frenética actual, deixar o tempo passar parece um autêntico desperdício. Daí que estejamos sempre online, sejamos dos primeiros a responder aos emails, a reagir a uma mensagem de WhatsApp ou a qualquer publicação nos murais das redes sociais se nelas estamos presentes.

 

Quando penso naquelas páginas sem número recordo de fazer a experiência de ler sem me preocupar a que ponto do livro estava. Não havia capítulos ou secções. Apenas os pensamentos de um homem sobre o caminho de enamoramento pela arte de pintar. As suas palavras faziam crescer em mim a vontade de me enamorar, também, pelo passar do tempo como modo de nos encontrarmos com o próprio tempo.

 

Ninguém tem tempo para o tempo. 

 

Quem deixa o tempo passar pretende agarrar a oportunidade de contemplar o próprio tempo. 

 

Viver o passa-tempo não é mais do que nos deliciarmos com a inutilidade de certos instantes. Por vezes penso como nessa inutilidade está a verdadeira liberdade de quem vive o tempo pelo que ele é e não por aquilo que nele fazemos.

 

Há momentos para tudo. Momentos para trabalhar. Momentos para descansar. Momentos para pensar. Momentos para rezar. Momento para... Mas o passa-tempo convida-nos a parar nos próprios momentos e a não pensar que se destinam a alguma coisa.

 

Não chega fazer muitas coisas se não gozamos ou compreendemos o sentido com que as fazemos. Para esses, o tempo passa e acaba por faltar. Para Churchill que fazia da pintura um passa-tempo, nela encontrava a companheira de viagem em que 

 

”a idade não a definha, nem o costume envelhece a sua infinita variedade.”

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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