Temos um inimigo que nunca ninguém viu
Temos um inimigo entre nós. Já lá vão algumas semanas e o inimigo instalou-se debaixo das nossas esperanças, das nossas expectativas, da nossa qualidade de vida, da nossa pele, das nossas mãos, dos nossos pés, da nossa vida.
Depois de se instalar bem instalado resolveu implodir tudo o que nos contorna. Espalhou destroços, sangue, lágrimas, gritos, raivas, revoltas, impossibilidades. Se ousarmos percorrer o que este inimigo invisível deixou pelo caminho, não vamos ter olhos suficientes para ver tudo. Para abarcar tudo. Para compreender tudo.
Estamos vivos, sem estar.
Estamos juntos, sem estar.
Estamos abraçados, sem estar.
Estamos em contacto, sem estar.
Estamos a fingir que compreendemos.
Estamos a fingir que conseguimos.
Estamos a fingir uma força que ninguém (sim, ninguém) consegue ter.
A morte senta-se connosco à mesa. A doença também. E o inimigo invisível é o responsável por tudo isto. Um cobarde com um nome pomposo que se revela sem nunca se deixar ver. Que magoa, sem deixar que nos defendamos. Que empurra sem nos dar hipótese de saber onde (e como) cair.
O inimigo senta-se à mesa connosco. O medo também. Bebem do nosso copo. Provam da nossa comida. Trincam as nossas maçãs. Descascam a nossa laranja. Sempre ali. Em cada coisa mínima que fazemos.
Passou mais um dia e
Ainda estamos aqui.
Ainda estamos juntos.
Ainda estamos abraçados.
Ainda estamos a fingir que compreendemos, que conseguimos, que temos força.
Pode ser que amanhã já não seja preciso fingir.
Pode ser que amanhã tudo melhore.
Pode ser.