Sentidos
São através deles que nos damos conta de estar vivos. E quando um falha, os outros aumentam a sua sensibilidade. Por serem tão concretos e materiais, talvez seja subtil o tipo de profundidade que trazem à nossa vida.
O olhar é o meio de contemplar.
O ouvir é um modo de acolher.
Com o cheirar experimentamos a inspiração.
O saborear desperta a imaginação.
E o tactear é um acto de comunhão.
Mas o desafio está em vencer as frentes da vida quotidiana que tornam os nossos sentidos dormentes.
O olhar preso nos ecrãs.
O ouvir fechado por auscultadores.
Um cheirar reduzido a perfumes fast-food.
Um saborear mascarado pelo sal e o açúcar.
Um tactear grudado a teclados e swipes.
Talvez por isso estejamos tão distraídos. E quanta profundidade nos passa ao lado porque, enquanto estivermos entretidos, estamos bem.
O olhar renova-nos pela atenção plena.
O ouvir transforma-nos pelo silêncio natural.
O cheirar inspira-nos a sair e ampliar o ambiente que nos rodeia.
O saborear desafia-nos a ser criativos.
O tactear dinamiza-nos a um contacto activo.
Os sentidos libertos da prisão cognitiva que a vida constantemente online nos induz, fazem-nos experimentar como temos mais tempo para estar onlife.
O modo de libertar os sentidos passa, assim, por inteligentes opções offline. Inteligentes porque orientadas pelos valores. Nesse sentido, a crise humana que mergulhou a nossa espécie na escuridão da distração, revela-se como uma crise de valores. Isto é, já nem pensamos a que é que damos valor quando uma tecnologia ou App nova surgem com o intuito de tornar a nossa vida mais cheia. Talvez não precisemos de mais coisas, mas de menos ou diferentes.
O antídoto para recuperar os sentidos e redescobrir valores que nos tornam mais humanos é tão simples que parece ridículo: notar em coisas novas.
Experimenta já.
Olha à tua volta. Vês algo que não tinhas reparado antes?
Pára por um momento o que estás a ler e escuta. Ouves algo que não havias ouvido antes?
Da próxima vez que caminhares vai cheirando. Identificas odores diferentes?
Numa frutaria, existe algum fruto, ou numa mercearia algum legume que desconheças e nunca saboreaste antes?
Ainda te lembras de sentir a textura da casca de uma árvore?
São meros exemplos numa infinidade de possibilidades que a simples ideia de notar em coisas novas pode abrir.
De certo modo, notar em coisas novas leva-nos a viver com maior intensidade o momento presente. O único que verdadeiramente temos, mas que facilmente perdemos quando cedemos à distracção fácil.
Notar em coisas novas é um modo de recuperar uma das maiores e grandiosas qualidades humanas - a curiosidade - despertando em nós uma atitude mental que liberta a imaginação e faz-nos mais criativos. Será a criatividade o motor da história para construir a comunidade da criação onde redescobrimos o quanto fazemos parte da natureza. Assim, abrimos a vida humana à sua dimensão cósmica e a mente humana a uma presença perene especial oculta no silêncio.