Indiscutivelmente a bebida mais famosa do mundo, depois da água. De manhã, há quem não consiga pensar sem primeiro ter tomado o seu café. Num dia de inverno, colocar as mãos frias na chávena de café pode ser um momento de autêntica teologia. Isto é, somos interiormente levados a agradecer a Deus, e a pensar n’Ele, pelo conforto e despertar que esta miraculosa bebida nos leva a experimentar. Invoca os nossos sentidos e imaginação, e daí que nos abra a um possível e inesperado encontro com Deus.
Mas há quem não goste de café. O amargo sabor tão apreciado por uns e rejeitado por outros. Ou, muito simplesmente, o nosso organismo não suporta o impulso dado pela cafeína. Não importa. Não é preciso gostar de café para entender como a partir de grãos tão duros pode surgir algo que afecta, literalmente, toda a civilização humana.
Quando queremos ter um momento de pausa e fortalecer relacionamentos convidamos o outro a tomar um café. Sob o pretexto de um bom café se conciliam e reconciliam vidas. Para alguns, ir ao café é entrar no espaço onde se sentem inspirados para escrever, estudar, pensar.
Não sei se é o calor que aquece o peito que me atrai, ou o tempo de solitude até que arrefeça. O aroma que nos chega e entra no íntimo pela manhã, impele-nos a uma primeira atitude de gratidão pelo dia que nos é dado. Olhando para a emulsão que dança na chávena pensamos no dia que temos pela frente. Pode conter desafios difíceis, desejos que gostaríamos de realizar e, naquele simples e singelo momento, tudo parece possível e está ao nosso alcance.
Só se torna num hábito mundano se perdermos a oportunidade de o usar para aprofundar os relacionamentos com os outros ou, no silêncio, ter uma bela conversa connosco próprios.
O actor Jackie Chan dizia que ”o café é, em si mesmo, uma linguagem.” Em pequenas doses torna-nos mais positivos e focados. Estudos mostraram, inclusive, que 200mg de café, 30 minutos antes de termos de falar por algum motivo, melhoram o recurso ao nosso vocabulário associado a coisas positivas. Algo que poderá estar relacionado com a dopamina libertada em regiões do cérebro onde domina a linguagem.
O toque quente, aquece o coração. Uma vez fizeram uma experiência em que uma pessoa entrava num elevador com um copo de café quente ou frio, e livros no braço. De repente, pedia a uma pessoa se podia segurar no copo enquanto tomava notas. Mais tarde, pediram à pessoa que segurou o copo de café para avaliar a personalidade daquela que lhes pediu para segurar o copo de café. Curiosamente, os que seguraram no copo de café quente avaliaram a pessoa com uma personalidade mais afável e generosa, em relação aos que seguraram no copo com o café frio.
Ninguém experimenta o café que bebe da mesma maneira porque cada pessoa é única e o café liga-se intimamente aos nossos genes. Caso contrário, por que razão sabe a tantos tão bem, uma bebida tão amarga?
O curioso é sermos levados a pensar que a bebida que tanto transformou a cultura depende, sobretudo, do grão pequeno. Mas, se pensarmos bem, sem que o grão deixe de o ser, e se transforme, perdendo a sua dureza para se tornar pó, não haveria a transformação que realizou no mundo. Por vezes é assim. Só se deixarmos moer a dureza dentro de nós, podemos transformá-la no pó cuja bebida nos desperta para novas realidades.