Somos dois, mas quem olha para nós vê-nos como um só.
Tem duas faces, mas é uma só moeda.
Tem o comportamento de uma onda e de uma partícula, mas é um só, e o mesmo fotão.
São dualidades.
Desafiando a definição que encontramos em muitos dicionários, convido-o a pensa na dualidade como uma unidade indivisível de dois elementos distintos e inseparáveis cuja tensão entre si e relacionamento lhe conferem uma riqueza e dinamismo incomparáveis.
Numa dualidade, o que importa é o jogo entre os elementos e o modo como se relacionam, de tal modo que um não faz sentido sem o outro. Porém, há quem tenha o olhar enublado por preconceitos e não consiga ver a dualidade, mas a dicotomia.
A dicotomia coloca os dois elementos em oposição entre si. Alto versus baixo, implícito versus explícito, formal versus informal, e quando há quem procura opor o individual ao colectivo, sem se dar conta, entra numa grande contradição.
A origem da palavra individual é indivisível, pelo que a vivência autêntica do colectivo faz-nos experimentar uma unidade profundamente enraizada na diversidade. Uma unidade tão forte que não nos divide, portanto, indivisível. Por isso, as dicotomias podem ser uma fonte distorcida da realidade mais profunda que nos habita e nos circunda através de dualidades.
O segredo da unidade de conhecimento e compreensão daquilo que conhecemos está na experiência de significadoque a visão de uma dualidade oferece, se a acolhermos. Assim, o implícito pode ser explicitado; o alto eleva o que é baixo, e o que é baixo ensina ao alto o valor de ajustar o nível para acolher perspectivas diferente da sua; o formal recebe-se melhor com o informal, e o informal aprende a saber estar presente e a respeitar melhor com o formal. Podemos mesmo chegar à impressão de que as contradições são meras ilusões quando vistas sob a perspectiva da dualidade.
Quer isso dizer que o mal não se opõe ao bem?
Que a ausência não se opõe à presença?
Que o negativo não se opõe ao positivo?
Bom... quando escrevemos ± talvez o negativo esteja a sublinhar o positivo. Talvez a ausência seja o espaço criado para acolher a presença. Talvez o mal seja um reconhecer das nossas limitações que só um bem maior pode superar.
Define-se o dualismo como aquela concepção filosófica ou teológica que coloca dois princípios ou realidades em oposição entre si, e parece que ser uma palavra que tem a sua origem em dualidade, mas será? Não será antes o dualismo a visão da dualidade distorcida pela dicotomia? Ou será que em vez de dualismo deveríamos associar a essa definição a palavra ”dicotomismo”? Dizem-me — ”Não pode ser porque essa palavra já está associada à teoria que defende a natureza do Homem como a composição entre corpo e alma.” — E será que deveríamos manter essa associação?
Tanta abstracção...
Parece que os pensamentos abstractos pouco têm a ver com a nossa vida, essencialmente feita de experiências concretas. Mas continuemos a desafiar o nosso pensar.
Quando experimentamos um amor por alguém, e desse alguém por nós, que nada, ou ninguém, consegue separar, é esse um sentimento abstracto ou concreto? Talvez seja uma dualidade em que o abstracto e o concreto se tornam num só em nós, e entre nós. Talvez seja o fruto de uma reificação, isto é, da transformação de algo abstracto em algo concreto. Há quem conote esta transformação como negativa. Pois, um sinónimo de reificação é coisificação. E existem ideias, sentimentos, pessoas e natureza que serão sempre mais do que meros objectos ou realidades ”objectificáveis”.
Não é de uma visão materialista que se reificam as dualidades, mas antes a partir do desejo profundo de participação. Isto é, de conseguimos tornar visível o que não o é, partilhando com os outros, explicitando-o com a linguagem que estiver ao nosso alcance. Pode ser uma palavra, expressão ou gesto que nos entrelaçam em experiências de vida comunitária que nos fazem descobrir os horizontes abertos pelas dicotomias transformadas em dualidades.