Saber colocar-se na pele do outro. Caminhar um km com os seus sapatos. Viver o que vive, e sentir o que/como sente. Mas somos mais empáticos hoje?
Num parque de estacionamento onde deixo os miúdos quando vão para a escola, há um carro onde mora um casal. Há dias ele estava cá fora, ligeiramente encurvado. Ao passar por ele enquanto me ia embora percebi que vomitava. Sofria. Mas fiquei triste comigo mesmo porque não consegui sentir dentro de mim o seu sofrimento.
Esta experiência levou-me a pensar na globalização da indiferença que o Papa Francisco refere na
Fratelli Tutti (30). Desconheço os motivos para aquela indisposição pela manhã. Não o conheço, mas não parei para perguntar o que poderia fazer por ele. Não tinha tempo. Nunca temos tempo para a misericórdia.
Desde 1950 que se assiste, geologicamente, a uma Grande Aceleração, origem do Antropoceno, com o ser humano a mudar a face do planeta. Literalmente. Somos tantos, e ainda que fisicamente distanciados por necessidade, parece que o olhar atento ao outro diminui. Não faz parte da minha bolha. São estas insensibilidades que me fazem sentir não ser imune ao risco que corremos de subdesenvolvermos a capacidade para a empatia. Curioso como o Papa Francisco não usa esta palavra na sua nova Encíclica.
A empatia é reconhecida como a maior qualidade de um
líder. A liderança que tenho em mente não se restringe às empresas, mas amplia-se às comunidades, e até a um grupo de pessoas juntas por uma circunstância qualquer. Cada um pode tornar-se um líder do espaço físico e social que o rodeia se testemunhar a empatia. É um bem que faz à sociedade através do seu próximo (conheça-o ou não).
Disse o Papa Francisco em Abril de 2016,
«É, fundamentalmente, importante que promovamos uma maior empatia na sociedade. (...) Sabemos que nem sempre encontramos, rapidamente, cura para doenças complexas e raras, mas podemos estar prontos a acarinhar estas pessoas, que se sentem muitas vezes abandonadas e ignoradas. Deveríamos ser sensíveis a todos, independentemente da crença religiosa, e estatuto sócio-cultural.»
Não é somente a doença complexa e rara que leva uma pessoa a sentir-se abandonada e ignorada. Pode ser uma vida difícil, pautada por escolhas erradas, que a levaram para uma espiral de desequilíbrios interior da qual não consegue sair.
Talvez a pessoa comum, imersa no mar de informação emotiva que os media proporcionam, gradualmente, fique imune ao sofrimentos dos outros. É o que alguns designam por “esgotamento empático”. É o resultado da nossa vulnerabilidade às dores dos outros que, se recebermos em doses sistemáticas, acabam por nos tornar mais zangados, infelizes e, em alguns casos, mais doentes.
O equilíbrio, como em quase tudo na vida, é o que dá sentido e significado às experiências profundas que fazemos. Quando não nos envolvemos tanto com o sofrimento dos outros, significa que estamos a criar o espaço para o equilíbrio e continuar a fazer uma experiência positiva de empatia.
Contudo questiono: qual diferença entre empatia, altruísmo e compaixão? Intuitivamente não me parecem ser a mesma coisa, mas talvez a dificuldade provenha de não sabermos ainda bem o que é a empatia. Isso leva-me a crer termos aqui um espaço de experimentação aberto e onde deveríamos investir mais... tempo. Aquele que parece haver pouco, mas que, na verdade, até existe. Pois, existem gestos pequenos como um breve sorriso, ou uma pequena pergunta que podem fazer a diferença na vida de uma pessoa.
No dia em que podia fazer a diferença, não o fiz. Pessoalmente tomo como motivação para continuar a aprender e rezar. Não somente por aquele que vi sofrer, mas para que Deus nos faça descobrir, cada vez mais e melhor, o valor da empatia.
Uma vez estava num retiro completamente estoirado. Se alguém notava, ninguém me fez notar. Até que alguém, que pouco conhecia, ofereceu a sua cama nos quartos que havia no edifício deste retiro para poder descansar. Podia ser qualquer um, mas ele foi, naquele momento — mesmo que não tivesse pensado nisso — Jesus para mim. Mas, talvez, também eu era Jesus para ele. Jesus que sofria e se sentia abandonado.
A empatia pode ser uma experiência profundamente humana, e profundamente divina. Basta ver Jesus no outro e deixar que o outro O veja em nós. Depois, não será o outro, nem nós, a ser empático, mas Jesus entre nós. É o caminho para sermos todos irmãos,
fratelli tutti, em que a empatia nos revela o mistério de amor que um desconhecido ou estrangeiro pode ser.
Podemos começar um dia, ou escolher o dia-um para começar. Mas quanto mais cedo, melhor.