Tudo o que precisa de sustento requer três pontos de apoio. O exemplo mais simples é um banco onde nos podemos sentar. Também a nossa visão assenta em três dimensões. E até Deus se compreende como Trindade na experiência cristã, apesar de ser Um só. Do mesmo modo, qualquer compreensão da razão de existirmos assenta em três pilares, ou três dimensões — 3Ds: Dor, Dom, e Deus.
O sofrimento faz parte da nossa vida desde que nascemos e sempre se reconheceu a sua importância para a nossa sobrevivência. O modo como evoluímos na história do planeta passou pelas comunidades que construímos, onde cada um procura proteger o próximo ao seu lado. Por fim, é inegável que, depois da emergência da consciência de si mesmo, o ser humano percepcione haver uma dimensão da realidade para além do espaço que ocupa e do tempo em que vive. Uma realidade espiritual. E, para além dessa realidade, o ser humano experimenta uma presença que, pouco a pouco, percepciona cada vez mais e melhor, de modo a não confundir com os eventos que não sabe explicar. Chamou a essa presença: Deus.
Por isso, a negação do sofrimento, ou da abertura aos outros, ou de Deus pode tornar-se uma fonte de desequilíbrio na nossa vida.
A Covid-19 já é mais do que uma entre outras pandemias na história humana. Esperamos que um dia faça parte do nosso passado, mas a cada um de nós, hoje, é o contexto em que vivemos, sofremos, vemos sofrer, e questionamos o que Deus nos quer dizer com tudo isto. Surgem dúvidas, perplexidades, receios, mas só a procura incessante por uma vida equilibrada pode ajudar-nos a ultrapassar a pandemia, e aprender alguma coisa para o futuro.
A dor que experimentamos é um sinal de alerta de que algo não está bem connosco. A dor pode ser física, emocional ou espiritual, e ninguém deseja a dor, mas superá-la. A dor é uma fonte de incompreensão — «porquê eu?» Mas só quem deixou de viver, deixou de sentir dor. Essa faz parte da vida. E se não fosse a dor, não seríamos capazes de receber informação do perigo e poder agir atempadamente. Pensando bem, talvez não seja a dor em si mesma que é má, mas a ausência de sentido para a dor. Dar sentido à dor pode significar um encontro com as nossas limitações. E só conhecendo o que nos limita podemos perceber como ir para além das nós mesmos, usando, inclusivé, essas limitações.
Ser dom significa abrir a mente, o coração e as mãos, de modo a construir relacionamentos autênticos e duradouros. Quem vive o dom de si mesmo, dá mais espaço do que retira, escuta mais do que fala, eleva o outro em vez de si mesmo, acolhe mais do que procura ser acolhido. É como uma flor. Enquanto o botão se mantiver fechado, não revela a sua beleza. Precisa de se abrir e se doar.
Por fim, Deus é um pilar da nossa existência, ainda que seja alguém envolto num Mistério que só o tempo e o relacionamento com Ele revelam pouco a pouco. Não O vemos, e não O ouvimos. Apenas os católicos acreditam poder vê-Lo, tocar-Lhe, e até comê-Lo (!?!!) na hóstia consagrada. Parece uma experiência ridícula, desconcertante, irreal e paradoxal. Mas uma coisa é certa: trata-se de uma experiência como nenhuma outra, e ao mesmo tempo sensível e normal. A minha experiência de Deus é a do paradoxo. Algo fundamental para manter-me aberto à surpresa de cada momento presente.
Porém, há quem não acredite em Deus. Há quem pense que devemos preocupar-nos mais connosco próprios do que viver para os outros. E há quem pense que a dor não tem qualquer sentido e que o melhor seria morrer para acabar com ela. Sem um destes 3Ds, uma pessoa vive num mundo a 2Ds. "Um mundo plano” (Flatland) como criativamente imaginado pelo escritor inglês Edwin Abbot e publicado em 1884. Uma esfera que atravesse o mundo plano aparece do nada como um ponto, cresce como um círculo perfeito e volta a tornar-se um ponto antes de desaparecer. Ninguém acredita na existência de dimensões para além das que experimenta no seu mundo e, por isso, não compreende ou acredita na existência da esfera. Seria preciso alguém que lhe desse a conhecer outras dimensões da realidade.
A dor e ser dom são experiências sensíveis, mas a experiência de Deus só poderá alguma vez ser vivida se O procurarmos. Há quem não acolha a experiência de Direcção e Sentido que Deus pode dar, retirando, assim, o “D” e “S” de “DeuS”. O que resta? Apena o “eu”. Ou seja, uma versão limitada da realidade e uma visão reduzida de nós mesmos. Não precisa, necessariamente, de ser assim. Basta procurar sempre o equilíbrio dos 3Ds.