Que lugar damos à nossa raiva?
Que palavra forte e feia. Raiva. Não convém ter demasiado espaço interior para a raiva, não vá ela ganhar dentes e garras e ferir-nos a partir de dentro.
Não convém deixar, muitas vezes, o coração ficar louco num galope descontrolado. Não convém deixar que os outros percebam o que a nossa cara não consegue esconder.
Raiva. Fúria e zanga. Todas as emoções politicamente incorretas. Todas varridas para debaixo dos nossos tapetes de dentro, para que ninguém dê por elas.
Mas, então, se não há lugar no dia-a-dia para as nossas raivas, zangas e rangeres de dentes, onde os colocamos? O que havemos de fazer com eles?
Talvez resulte falar sobre a zanga. Com um amigo, com um professor, com alguém em quem confiamos. Depois, valerá a pena perguntar-nos: estou zangado com quê? Qual é a razão da minha raiva? Estou zangado comigo ou com alguém?
Depois de respondermos a estas perguntas, normalmente, percebemos que estamos mais zangados connosco. Com aquilo que não sabemos dizer. Com aquilo que não sabemos explicar. Com aquilo que deixamos que os outros nos façam, por sermos demasiado bonzinhos ou simpáticos.
A razão da nossa raiva é, quase sempre, um espelho de uma zanga interna. De um conflito connosco mesmos que não conseguimos resolver.
Depois de termos consciência da raiz das nossas raivas, será tempo de encontrar lugar para elas. Também tem que haver, dentro de nós, espaço para o que é feio. Para o que não é feliz. Para o que tem dentes. E espinhos. E garras afiadas.
A boa notícia no meio de todo este cenário de guerra é que a raiva é, normalmente, passageira. Varre tudo como um ciclone e voa para o próximo alvo. Mas enquanto não nos passa, que saibamos segurar no que sentimos com o cuidado de quem carrega uma criança de colo.
Daqui a nada, tudo (nos) passa.