Como é que Deus pode permitir tamanho sofrimento?
As notícias que nos chegam do interior de Portugal estão ainda marcadas pelo sofrimento. Muitas pessoas continuam a perguntar-se onde esteve Deus. Como é que pôde permitir tamanho sofrimento?
Em primeiro lugar, creio que perante este enorme sofrimento, bem como em outros casos, qualquer palavra ou justificação que se queira ou procure dar, corre o risco de ser em vão. A verdade é que perante a cruz que o outro transporta, nós "pecamos" porque não a vivemos da mesma forma; não "encarnamos" esse sofrimento. Por isso é que a escuta, a proximidade e a partilha desse sofrimento é o melhor que temos a fazer.
Nestes momentos, esquecemos que fomos criados com liberdade, dom precioso. Caso contrário seríamos marionetas nas mãos de um manipulador dos nossos dias. Por isso é que apareceram escritas algumas opiniões onde nos aconselhavam a alterar a questão. Em vez de perguntar porque é que Deus permitia tal tragédia, deveríamos exigir ao Estado Português por que é que, ao longo dos últimos anos, permitiu uma florestação e uma distribuição habitacional deste tipo? Por que é que a limpeza das matas não se faz? E por aí fora...
No entanto, perante enorme sofrimento, quase que estaríamos dispostos a trocar esta liberdade, esta responsabilidade, por uma vida "manipulada" desde que nos protegesse.
Já no Antigo Testamento o livro de Job nos alerta para o justo sofredor. Não acredito que estas pessoas "pagaram" por algum mal cometido. Se esse mal existiu foi, como acima escrevi, consequência de uma mal administração do território florestal e habitacional. Pelo contrário, acredito que a resposta está na cruz de Cristo. Por que é que Deus não intervém no sofrimento humano com a sua omnipotência miraculosa? Porque Deus não é um manipulador ou um mágico que evita ou resolve todos os problemas com magia. Como no episódio da cruz, Deus é o Pai "impotente por amor" perante a dor do Seu Filho amado e crucificado.
Para muitos, talvez, seja uma ideia desconcertante ou sem sentido, mas é verdadeiramente cristã. A nossa fé tantas e tantas vezes é, perdoem-me a expressão, "milagreira" ou "mágica". Pedimos a Deus e aos Santos a cura ou o cumprimento da nossa vontade. Parece-me um fé muito infantil. Não! Temos, e eu pecador me confesso, que aprender a permanecer na vida tal como ela é, acontece e nos surpreende. Permanecer com fé e crença que sabe pedir a Deus através da oração, a cura ou o alívio do sofrimento, mas também a coragem, fé e esperança para enfrentar tudo os que nos acontece e encontrar o Senhor em tudo. É esta a mensagem do livro de Job: o ser humano deve persistir na fé mesmo quando o seu espírito não encontra sossego.
O problema é que o mundo atual suprime o sofrimento, a doença e a morte. Só interessa a eterna juventude e a vida perfeita. Um mundo fictício que impede-nos de aceitar a realidade. Torna-se difícil crescer humana e espiritualmente.
Temos que viver estes momentos trágicos com uma oração de entrega e não de reivindicação. Mesmo cheia destes sentimentos de revolta e desespero, que nos inquietam, mas que são também verdadeiros e assim autenticamente humanos e cristãos. Estes sentimentos, tão presentes em Job, revelam o coração do Homem e o rosto de Deus que nunca se escandaliza perante um filho que sofre. Deus está presente ali, onde o ser humano sofre, chora e morre.
Uma semana verdadeiramente orante.