Domina-te e não dás conta disso. Está sempre a chamar por ti, mesmo no silêncio. Pensas nele e pode bem ser a primeira coisa a que dás atenção depois de acordar. Há quem passe mais tempo a dar-lhe atenção do que aos outros. E mais, até nos dá a sensação de que dedicar-lhe tempo, é dedicar tempo aos outros. E talvez seja, mas em detrimento do tempo que precisas para reflectir. Já percebeste do que estou a falar? Do Email.
Lembro-me daquele anúncio: É fácil. É barato. Dá milhões. E, realmente, muitas vezes sem filtros de SPAM, recebemos muitos emails a oferecerem-nos milhões. A estimativa para o número de emails trocados no mundo em 2019 ascendia aos 294 mil milhões. Se os distribuirmos equitativamente pela população mundial, cada pessoa recebe e envia por dia mais de 35 emails. Mais, creio, do que os sorrisos que damos ou recebemos por dia. Há algo de estranho em tudo isto.
Nos últimos meses tenho pensado no modo de melhorar o tempo que os emails me consomem. Por isso, fiz páginas dedicadas a assuntos da minha disciplina, comecei a experimentar ferramentas gratuitas que melhoram os fluxos de trabalho como o Trello e o Basecamp, mas, mesmo assim, há quem esteja sempre distraído, como os meus alunos. Não resistem a enviar-me um email à espera da gratificação instantânea de receber na hora uma resposta da minha parte, por saberem que sou assim. E isso apesar das diversas notificações com toda a informação que precisam saber, ou ferramentas para organizar melhor o meu trabalho e a expectativa deles. Não resistem. E quando recebo deles um email a perguntar o óbvio sinto um dos maiores problemas que o email cria em nós: ansiedade.
Antes dos emails, as pessoas telefonavam-se sem esperar que o outro atendesse, ou enviavam cartas e esperavam que o outro respondesse. Mas agora, vivemos na ansiedade de saber se o outro já recebeu e leu o que lhe enviei (por email, claro), e passado poucos minutos começamos a pensar — «por que razão não me responde?»Assumimos que os outros dedicam o mesmo tempo ao email que dedicamos nós. Um tempo ininterrupto. Refiro-me a “nós” porque eu era assim.
As pessoas que nós consideramos exemplos de produtividade e serenidade não têm uma relação permanente com o seu email. Podem dedicar-lhe um a dois momentos do dia por terem a consciência de que, por detrás de cada email, está uma pessoa. Ou se perceberem que está um produto e esse não interessa, simplesmente, apagam. O email revolucionou todas as estratégias de marketing na última década, e só recentemente estão a conceder algum do seu domínio às redes sociais. Porém, há quem argumente que o email vingará como o modo preferencial por ser assíncrono e, com isso, dar-nos mais espaço e tempo para livremente decidirmos sobre os nossos investimentos. Mas não estaremos a ceder, excessivamente, o capital da nossa atenção?
Por cada segundo gasto a prestar atenção a um email, é menos um segundo gasto a prestar atenção a algo que traz mais valor à nossa vida. Pode ser a palavra de um filho que quer comunicar connosco o que está a viver, ou a pensar. Pode ser um pensamento sobre algo ou alguém. Pode ser o fluir da leitura de um livro, ou a escrita de uma frase de gratidão por algo que nos tenham acontecido. O mundo movimenta-se à nossa volta, repleto de surpresas e coisas novas que podemos notar, mas muitos preferem movimentar a maior parte do seu à volta do seu email.
Antigamente irritava-me quando alguém não via os emails com a mesma cadência que eu, mas agora reconheço a sabedoria nisso. Tudo era muito novo e é ainda para muitas pessoas. Há quem não se identifique com nada do que escrevi até aqui porque não liga tanto ao email quanto isso. Mantenha-se! Mas permaneça vigilante. Contudo, podemos encontrar nesta quaresma um propósito novo em relação ao email: reduzir.
Reduzir o tempo que lhe dedicamos (evidentemente).
Reduzir os emails que enviamos, pensando se um telefonema não seria suficiente.
Reduzir o número de pontos de contacto com as aplicações de email (eu apaguei as que tinha no telemóvel).
Reduzir o número de vezes que consultamos o email, para perceber se aumenta ou não a ansiedade e, assim, avaliar o quanto estamos dependentes dessa ferramenta.
E, quem sabe, descobrir com o olhar levantado do ecrã que nem só de emails vive o Homem.
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