Aberta

Crónicas 25 março 2021  •  Tempo de Leitura: 5
Aberta a porta do coração, o que pode confinar o nosso pensamento e o nosso agir? Nada. A nossa vida, a vida dos outros e a vida do próprio planeta depende da abertura do nosso coração. O seu palpitar faz fluir o sangue que corre nas veias e leva todos os nutrientes que precisamos para viver. Também se os nossos pensamentos e acções estiverem embebidos do mesmo fluir vital, renovam-se as estruturas, renovam-se os relacionamentos, e acende-se a luz sobre o próximo passo a dar.

Manter a mente aberta não é fácil. O conforto das nossas seguranças cristalizam o nosso modo de ver o mundo e a sua dinâmica. Sair das zonas de conforto é o impulso de quem se encontra sempre na disposição de aprender coisas novas. E só na descoberta de coisas novas mantém-se a nossa mente aberta.

Manter a acção aberta não é fácil. Por vezes, implica acolher a acção do outro, diferente da nossa, ou até oposta à nossa. Agimos por sentirmos possuir a razão de agir. Sabemos (ou pensamos saber) que a nossa acção é a mais correcta. Mas só uma acção aberta está disposta a deixar-se transformar pela acção do outro, de tal modo que a acção final não provém de mim, ou do outro, mas dos dois.

Manter abertas as palavras implica colocar-me primeiro no lugar do outro antes de as pronunciar. As palavras abertas são as que revelam novos horizontes e espaços de possibilidade. São palavras que suscitam no outro o desejo de falar, também, com palavras. São palavras de nos ligam, mas mantêm a nossa ligação aberta e disposta a acolher a sabedoria contida nas palavras daqueles que se cruzam no nosso caminho.

Manter a porta aberta pode dar ao sofrimento do outro um ponto de referência ao qual pode sempre retornar. Quem encontra aberta a porta e deseja entrar sente-se acolhido. Mas as portas não se reduzem aos lugares, ou os dividem, antes, unem-os. O exterior ao interior, independentemente do sentido. E são um sinal de acesso a um mundo de surpresas que se encontra do outro lado.

Manter as mãos abertas para acolher o que o outro nos quiser oferecer, ou oferecer o que as nossas contêm ao outro. Mãos vazias oferecem-se. Só podemos dar uma mão para ajudar se estiver aberta. Só podemos consolar com um toque no ombro do outro se abrirmos a mão. Só tocamos o rosto do outro para lhe demonstrarmos o nosso carinho com uma mão aberta.

Manter os braços abertos é uma mensagem clara ao outro de como lhe quero bem. Braços abertos revelam uma posição de vulnerabilidade. São um sinal de um acto de doação desinteressado e irresistível. Aliás, quem abre os braços para abraçar dificilmente volta atrás nessa decisão. É, por isso, um salto na confiança de que o outro acolhe a minha vulnerabilidade.

Manter a escuta aberta significa retirar todos os filtros dos preconceitos que tenho em relação ao que escuto. Requer uma atenção particular às ideias, emoções e razões do outro. Mantém-me vazio para poder, verdadeiramente, acolher o pouco de si que o outro me quer oferecer. Uma escuta aberta estabelece a confiança e com essa estreitam-se os laços que nos unem e nos entusiasmam a superar os maiores obstáculos.

Mas não posso esquecer que existem feridas que abertas continuam a magoar. Ou que fendas abertas no terreno seco continuam a dividir e a afastar, ou se essas fendas estiverem abertas no casco de um barco, podem afundá-lo. Existem processos que se abrem, mas mantêm por tanto tempo abertos que não dão espaço a novos processos. Há aberturas que têm limites e só um discernimento aberto pode ajudar-nos a perceber o que fazer.

Por fim, sê uma página aberta. Aberta para que os outros possam escrever o que mais os perturba e, assim, encontrar, de novo, o sentido da sua vida. Uma página aberta ao imaginário que os sonhos contêm e nos levam a pensar tudo se inventa e reinventa, e o impossível só demora mais tempo. Uma página aberta para estimular o fluir da história através do espaço aberto à novidade que existe no coração de cada pessoa que interage connosco. Uma página aberta que pode deixar-se modelar no origami dos contornos que transformam o vazio e o nada, em algo que embeleza o mundo à sua volta. E se uma página aberta se junta a outras páginas abertas, perfazem um caderno aberto à criatividade de Deus, e onde Ele pode desenhar um futuro novo e deslumbrante.

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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