Ficas comigo?

Crónicas 31 março 2021  •  Tempo de Leitura: 4

Esta semana sentamo-nos na praia com O que veio do Céu. Estamos à beira-mar como quem espera por uma revelação capaz de mudar a vida toda. As ondas vêm e vão. Tocam os nossos passos ao de leve para depois se despedirem deles novamente.

 

Esta semana sentamo-nos à beira de tudo o que o Pai quis fazer por nós. Temos os nossos pesos vestidos e a roupa da nossa pele continua com os rasgões de sempre. Já velhos e secos, mas visíveis. A roupa da nossa vida continua com as feridas se sempre. Algumas já a rimar com cicatrizes e outras, ainda, frescas como uma parede que se acabou de pintar e onde, ainda, não podemos tocar.

 

Olhamos, devagar e sem pressas, para tudo o que vivemos este ano, nesta pandemia, nesta Quaresma, nestes dias que nos desarrumaram tanto. Que nos marcaram tanto.

 

As ondas não desistem de nós e continuam a procurar a nossa presença, aqui, nesta beirinha onde o nosso coração está.

 

Esperamos que Deus nos fale. Que nos diga o que fazer. Que nos explique como devemos viver estes dias em que as suas Feridas se inauguram mais uma vez. Queremos que nos diga como evitamos o sofrimento. Como lidamos com a perda dos nossos mais queridos. Como guardar tudo aquilo que nos corta por dentro, ainda.

 

Nesta praia onde estamos a viver os últimos dias desta Semana, desfilam à frente dos nossos olhos todos os momentos que vivemos ultimamente. Ou mais lá atrás. Os pássaros atravessam os nossos pensamentos para nos lembrar, também, das alegrias que nasceram das imensas mágoas.

 

Sabemos que Deus não vem sentar-se connosco na praia onde estamos e que não O podemos ver e ouvir como gostaríamos. Sabemos que não vem a correr de braços abertos para nós, como vemos nos filmes. Que a Sua presença física não existe e que a Sua pele não tocará, nunca, a nossa.

 

No entanto, e quando menos esperamos, vemos ao longe alguém. Esticamos o pescoço e os braços de dentro com a esperança de Deus. Que disparate. Mas gostávamos tanto que fosse! A figura aproxima-se. Caminha devagar como quem sabe, desde sempre, para onde vai. Abrimos mais os olhos para tentar perceber quem é.

 

A primeira coisa que vemos é o sorriso. Impossível de esconder mesmo com a barba comprida e desgrenhada. O cabelo é entre o curto e o meio comprido, de um ruivo acastanhado de surfista que apanhou demasiado sol. Uma t-shirt branca, simples, que quase parece ter luz. Umas calças de ganga rasgadas num dos joelhos. Descalço. Uma pele dourada e marcada, também, pelo sol que fez casa nela.

 

Estamos ainda sem saber bem que pessoa é esta e o que quer, mas não nos desviamos. Não nos levantamos. Temos a sensação de ter, já, encontrado esta figura nalgum lado.

 

Senta-se ao nosso lado. Olha para dentro dos nossos olhos rapidamente e deixa-se contemplar tudo o que vemos também.

 

Num silêncio que não conseguimos largar, olhamos para as mãos dele, que as abre quando vê que as procuramos. No centro de cada uma mora uma ferida viva, de um vermelho sangue que já não dói.

 

Não podemos acreditar. És mesmo Tu?

 

Respondes como quem pede:

 

Ficas comigo?

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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