Zero

Crónicas 22 abril 2021  •  Tempo de Leitura: 5
No século XIII, os árabes começaram por chamar-lhe sifr e o significado era “intervalo” ou “vazio”. Depois, os de língua latina chamavam-lhe de ziphrium, mas ao longo do tempo, também essa palavra evoluiu para zero. Por isso, na origem desta palavra está um intervalo posicional. Mas com o zero, a matemática ganhou um novo sentido e sem ele nada é. Aliás, ele representa o “não-é” que “é”. Mas continuou a evoluir.

A dimensão de um ponto é… zero. E quando a arte começou a introduzir a perspectiva, encontrou a forma de dar tridimensionalidade à tela bidimensional ao convergir as linhas dos seus cantos para um ponto, o ponto de fuga. E se as linhas convergirem até esse ponto, a noção que temos é a de infinito. Logo, a arte inventou o modo de fazer do zero desenhado num ponto, um infinito.

Quando colocamos um zero à esquerda, o número não se altera. Logo, um zero à esquerda nada vale, e daí a expressão que, por vezes, e infelizmente, podemos usar em relação a certas pessoas. Um zero à direita tem o efeito oposto. Quantos mais zeros, maior a ordem de grandeza do número de que fazem parte. E qual o objectivo da matemática ao usar os zeros à direita senão o de tentar chegar ao infinito que a arte consegue com quatro linhas apenas? Mas, por mais zeros que coloquemos à direita, o número será sempre finito e haverá sempre espaço para colocar mais um zero. Foi neste impasse que a matemática teve uma ideia.

Se pegar numa pizza e dividir em pedaços cada vez mais pequenos, dou pedaços de pizza a cada vez mais pessoas. Que isso dizer que, conforme o tamanho desses pedaços se aproxima de zero, mais se aproxima o número de pessoas para o infinito! E, assim, um a dividir por zero dá infinito, assim como 1 a dividir por infinito, dá zero. Zero e infinito são o inverso um do outro.

Quem assenta qualquer coisa sobre nada chega ao infinito, assim como quem assenta algo sobre infinitas coisas acaba com nada. Tu e eu, que somos humanos, temos um desejo inexplicável de infinito, mas só se nos colocarmos por debaixo de algo, e formos nada, é que conseguimos realizar esse desejo. Parece um paradoxo que seja preciso nada-ser para saciar o desejo de infinito. Mas nada és. Nada sou. E isso até nem é mau.

Quando vemos uma cadeira vazia dizemos que ali não está ninguém. É o zero que se senta. O ninguém que é zero. E depois vemos escrito como frase feita que ninguém é perfeito. Mas quem é que quer ser ninguém? Alguém?

Quem se faz presente discretamente, ou se faz presente abertamente, cria um espaço vazio, um intervalo, para que todos os que estão à sua volta encontrem a liberdade, o acolhimento, o espaço ideal para se expressar genuinamente. Descobrem-se com o nosso ser nada, ser zero.

Se Deus é infinito, como pode tornar-se finito sem que isso implicasse ser um zero? Um nada de amor que se retrai para criar o espaço de existência de algo e alguém, distintos de si. O nada pelo nada é niilismo. O infinito que assenta sobre o nada impulsiona-nos ao infinito. Não é retórica, mas matemática.

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Há quem tenha medo do zero porque pensa muito naquilo que possui, mas aqueles que procuram a sobriedade na sua vida, gradualmente, o zero direcciona o seu estilo minimalista. Aliás, não será essa a direcção do design com o qual nos cruzamos diariamente através dos nossos ecrãs? Não é para a “Fome Zero” que muitas organizações estão a trabalhar? Não é pela “Pegada Zero” que queremos transformar o nosso estilo de vida para que seja mais sustentável, e poluir zero para garantir a saúde dos ecossistemas terrestres?

O zero parece ser nada, mas as aparências iludem. E quando queremos viver bem o presente, é como se o intervalo de tempo fosse… zero. Afinal, espero que se entenda melhor por que razão o zero, não-sendo, é mais do que pensamos.

E se alguém um dia te disser — «és um zero!» — responde — «e sobre este nada que sou assenta a possibilidade de seres infinitamente mais do que pensas.» Ser zero é uma lição que aprendo cada vez mais e melhor d’Aquele que, abandonado na cruz, fez de todo o nada, um ponto (de dimensão nula) de luz infinita que iluminará o mundo para a eternidade, onde zero e infinito se tocam no coração de Deus.

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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