Vida

Crónicas 13 maio 2021  •  Tempo de Leitura: 5

É das palavras que mais uso naquilo que escrevo. É a palavra que traduz a experiência de poder ler palavras na tentativa de as compreender, ou deixar-se transformar por elas. Mas de que depende a vida? Das escolhas, das circunstâncias, da incerteza que habita o mundo? Há quem restrinja a vida ao que vê e ouve.



Não dependo do que vejo, ou oiço, mas do que acolho. Acolher a vida que me chega seja de que parte for. Mas acolher o que o Espírito Santo no momento me inspira traz sempre à boca do coração um sabor a amor. Por isso, quando nos amamos reciprocamente, intensamente, preparamos o terreno do nosso coração para aprender a escutar e acolher o que Ele nos inspira. Mas como nos pode inspirar a amar se não soubermos o que é o amor?



Já ouvi como amar é um sentimento. Cresci e ouvi que amar era uma decisão. E no actual momento do meu crescimento experimentei que amar é dar-se totalmente. Não foi isso que fez Jesus? Mas dar-me a quê ou a quem? Parece que a vida que brota do amor precisa de um propósito para se experimentar como amar é dar. Porém, se esse propósito for efémero, o dom de mim dificilmente é total. Se me entrego totalmente a um outro e esse desaparece, não desaparece, também, a minha entrega? Se me entrego totalmente a um Ideal e a minha compreensão desse muda, de tal modo que não mais sinto ser Ideal para mim, deveria ter-me entregue totalmente? Restrito ao círculo da compreensão humana, talvez toda a vida gerada por uma entrega total de mim, por amor, seja falível. A que me posso entregar para que a vida gerada seja plena?



Penso na Vontade de Deus. Não sei qual é, nem tenho outra forma de saber se não estiver atento ao que o momento presente me oferece. Se no momento me pedem ajuda, ajudo. Se me pedem para fazer bem um certo trabalho, faço-o. Se me pedem para arrumar a cozinha, arrumo. Se me pedem para escutar sem tempo, escuto. É sempre no relacionamento com alguém que aprendo a acolher a Vontade de Deus no momento presente. E sinto que o amor, como entrega total, pede-me o abraço da vulnerabilidade da imperfeição de amar totalmente. Pois, não me sinto capaz de amar assim, e não tem mal. A vida floresce da nossa imperfeição quando nos abandonamos à Vontade de Deus.


Quando me sinto imperfeito no amor dado aos outros, sofro. Mas quando aceito esse sofrimento como caminho de felicidade paradoxal, a vida gera-se e nem dou conta disso. Escrevi uma vez um texto que foi uma autêntica mortificação. Era para mim um conjunto de palavras ocas e amorfas. Mas recebi de uma pessoa uma comunhão de tal forma profunda, que foi essa comunhão que deu vida e sentido às palavras que havia escrito. Acabei de vos confessar algo que penso ser comum a muitos escritores. Sentimo-nos tantas vezes uma farsa.


Muitos são os textos espontâneos, ou a pedido, que não surgem de um fervilhar de ideias. Às vezes acontece, mas muito poucas vezes. Dar vida a um texto emerge de uma morte. A morte de mim mesmo. E quantas vezes não tenho a consciência de que se não morrer em cada palavra serei incapaz de gerar qualquer vida naquele que as lê. Talvez por esse motivo me esqueça frequentemente daquilo que escrevo. Houve situações em que alguém me referiu algo que escrevi e não me lembro. Fico um pouco atrapalhado, mas procuro com a máxima humildade possível abraçar a vulnerabilidade e deixar que a partilha daquilo que tocou a pessoa gere vida em mim.



A vida verdadeira pauta-se de uma fragilidade que me deslumbra. Como é possível que tanto surja de tão pouco? Há uma ordem que emerge da desordem, dando-lhe sentido e significado e envolta de tal modo em mistério que me questiono: de onde vim? Para onde vou? Quem sou?



Sacio a sede de vida nestas questões que estão por responder desde a aurora da vida humana. Talvez não se destinem a ser respondidas, mas vividas. Por isso, quando penso nisso, sinto como é grande o mistério da vida. E reduzir esse mistério às dores de cada dia parece-me ser um desperdício da oportunidade que essas dores me oferecem. A oportunidade de amar com a dor para testemunhar que a vida não parte daquilo que tenho, mas daquilo que posso dar. E posso dar tudo. Mas um tudo que tem uma medida que desconheço. Por isso, lembro-me do que dizia Santo Agostinho — «ama e faz o que quiseres.» Talvez a medida do amor que desconheço encontre na vida que se gera mais nos outros do que em mim. Será?

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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