Ligados
Pensamos muitas vezes naquilo que podemos fazer para salvar as árvores, mas uma perspectiva que Simard apresenta a partir da sua investigação é que as árvores podem, também, salvar-nos. Apesar de muitos investigadores favorecerem a visão da competição na floresta, Simard descobriu que as árvores estavam a comunicar em rede através de fungos no solo. Por exemplo, a Betula papyrifera e o abeto de Douglas partilham o carbono fotossintético que precisam para sobreviver. Algo estranho porque as árvores costumam mais partilhar com outras árvores da mesma espécie, do que entre espécies diferentes. Por isso, esta reciprocidade na partilha de nutrientes altera a percepção competitiva, e favorece a cooperativa. Esta partilha indica ainda que o sistema é inteligente, sensível e possui carácter, pois, mostra-nos que as árvores precisam umas das outras. Árvores que dependem muito da ligação que têm ao solo e entre si. Qual é o solo humano onde assentam os fundamentos da nossa existência?
A impressão que tenho é que o nosso solo é a família. Nas nossas famílias estão as raízes de tudo aquilo que somos, luzes e sombras. E quando constituímos novas famílias é como se criássemos ligações entre as famílias. Por isso, arrisco-me a pensar que ser parte de uma única família humana é o fundamento da nossa existência. Quando falhamos nesta parte, arriscamo-nos a não sobreviver. Mahatma Ghandi dizia que «eu e tu somos uma coisa só. Não te posso maltratar sem me ferir.»Não precisamos de ser o mesmo para nos unirmos, mas só nas diferenças reconhecemos a riqueza da nossa unidade na reciprocidade. E na reciprocidade, a família constrói a cultura humana que corre o risco de fechar-se sobre si mesma se não reconhecer que faz parte de uma família maior: a família da criação.
Simard diz que «as nossas próprias raízes e sistemas entrelaçam-se, crescem em nós e entre nós em milhões de momentos subtis.»A delicadeza dos infinitos momentos que vivemos e com os quais construímos a nossa história, mostra como o equilíbrio nos relacionamentos é, por um lado, delicado, mas por outro, garante que a falha de um pode ser suportada pela a ajuda de outro.
A sociedade humana é, também, um ecossistema por se constituir nos relacionamentos entre as pessoas. Quanto mais forte for, mais resiliente é o sistema. Mas um sistema está sempre em mutação, como as árvores e os fungos, porque responde não só ao modo como os membros interagem entre si, como ao ambiente que os rodeia. Não são inéditas as experiências que se fazem em que uma pessoa começa a rir e à sua volta existem apenas estranhos que, pouco a pouco, começam, também, a rir. A razão da nossa sobrevivência neste planeta não está tanto no quanto fomos capazes de evoluir, mas de co-evoluir.
A Wood-Wide-Web que Simard sugeriu num trabalho seminal publicado pela revista Nature em 1997, é a versão natural daquilo que podia ser a World-Wide-Web que alterou, profundamente, a humanidade quando abriu uma infinidade de canais de comunicação entre nós. E o que fizemos da internet? Uma experiência real do quanto estamos ligados ou acabámos por nos tornarmos pontos de ligação digitais desligados da realidade?
As árvores mostram-nos que estarmos ligados e comunicarmos melhor entre nós mantém a nossa saúde física e, no caso humano, também a mental. E tal como as Mães Árvores maiores e mais velhas protegem as mais novas da sua família por estarem ligadas e comunicarem entre si, o mesmo acontece connosco. O curioso é que a comunicação entre árvores da mesma espécie ajuda no crescimento das outras espécies, isto é, da comunidade florestal de que fazem todos parte. Connosco não devia ser diferente.
Sim, estamos todos ligados porque todos somos filhos do mesmo Pai, criaturas fruto do amor do mesmo Criador. Através das árvores, também ciência e teologia parecem estar ligadas. Oxalá descobrissem como comunicar melhor entre si, mas isso é algo que depende de cada um de nós e do modo como estamos ligados.
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