Mentalidades

Crónicas 15 julho 2021  •  Tempo de Leitura: 5

A incerteza do momento da história em que vivemos leva-nos mais a pensar no presente do que no futuro. Apesar dos confinamentos, pessoas como o físico Erik Lentz, sozinho em Göttingen, na Alemanha, onde deveria realizar o seu período de pós-doutoramento, sentiu-se livre e acabou por dedicar o seu tempo a sonhos de infância. Um desses sonhos era descobrir novos caminhos para desenvolver o motor warp da série de ficção científica Caminho das Estrelas (Star Trek) e acabou por fazê-lo, publicando-o numa revista internacional. Por detrás desta experiência está uma das cinco mentalidades, ou atitudes mentais, que me parecem ser importantes a desenvolver no presente.

O que impede alguém de ir mais longe do que foi nos seus sonhos senão uma mentalidade insegura? As mentalidades associam-se a crenças, maneira de pensar, disposições psíquicas e morais que afectam a nossa vida de muitos e diversos modos. Quando estava numa conferência na Alemanha, lia um livro intitulado as “Cinco Mentes do Futuro” do psicólogo Howard Gardner, onde descrevia o que considerava serem as cinco mentalidades a desenvolver no futuro para explorar o humano em nós ainda por desabrochar. Mas há alguns anos, ainda antes da pandemia, questionava-me como o futuro é incerto, pelo que deveria haver, também, algumas mentalidades importantes a desenvolver no presente. Também encontrei cinco. As mentalidades — atenta, curiosa, resiliente, humilde e vulnerável. 

Não chega prestar atenção sem saber a que prestamos atenção. Não chega interessarmo-nos por tudo e mais alguma coisa, sem deixarmo-nos conduzir pela curiosidade de ir mais a fundo e além naquilo que nos interessa. Não chega suportar as dificuldades, sem que a resiliência nos mantenha em movimento para as superar. Não chega aceitar críticas, sem desenvolver a humildade que nos dá a conhecer quem somos. Não chega aceitar as nossas limitações, sem ter a coragem de dar os passos necessários para entrar na arena dura da vida.

Uma mentalidade atenta não vive à mercê daquilo que os outros acham que merece a sua atenção, mas exerce essa escolha ciente do valor que é o tempo e energia empregues na vivência do momento presente. Uma mentalidade atenta cresce na sabedoria de saber escolher a pergunta do filho em vez do episódio da série, por mais cansado que esteja, porque a primeira pode “parecer” banal, mas nunca é.
Uma mentalidade curiosa não dá nada por descontado, mas sabe que existe sempre uma rua da cidade que conhece menos e que vale sempre a pena explorar. Não chega aquilo que alguém diz ser verdade. Uma mentalidade curiosa tem sede de verdade e sabe que apenas a procura pode saciar essa sede. Uma mentalidade curiosa aprende que notar em coisas novas é o segredo de viver intensamente o momento presente.
Uma mentalidade resiliente sabe que cair é o primeiro passo para a realização de todos os nossos sonhos. Não importa quantas vezes caímos desde que aprendamos o que uma mentalidade resiliente nos ensina em cada levantar-se. Uma mentalidade resiliente sabe dobrar-se para não quebrar-se. Sabe adaptar-se porque tem a consciência de que tudo à sua volta muda, pois, tudo está interligado.
Uma mentalidade humilde aprende cada vez mais e melhor a reconhecer-se e a saber que as limitações são a chave para nos re-criarmos em cada momento. A mentalidade humilde aprende a calar em vez de falar demais, reconhecendo na escuta o gesto de quem abre espaço para reconhecer a grandeza do outro e daquilo que o relacionamento com ele pode fazer em nós. 
Uma mentalidade vulnerável sabe que a coragem não vem sob o impulso do momento, mas da persistente capacidade de estarmos presentes quando mais nos custa, sabendo que nos expomos, estando sujeitos a que nos magoem. Não o desejamos, claro, mas acreditamos no melhor que o outro pode ser em relação a si próprio. Uma mentalidade vulnerável não tem medo das suas falhas por reconhecer nelas a possibilidade de testemunhar que podemos sempre melhorar.

Existem muitas outras mentalidades e, talvez, algumas bem mais importantes do que estas. Há quem pense na mentalidade empreendedora, na vencedora, na mentalidade moderna que desafia as mais antigas tradições morais e naturais. Qualquer mentalidade sinaliza que temos uma mente, um pensamento, uma cultura, e não somente reacções químicas cerebrais.

Apesar de ter partilhado o que considero como mentalidades importantes para o presente, creio que o futuro depende mais destas mentalidades do que pensamos. Quem não cresce, muda ou aprofunda as suas mentalidades relativas aos mais diversos aspectos da sua vida, corre o risco que parar no tempo, perdendo-se no ser em vez de abraçar a possibilidade daquilo em que pode tornar-se.

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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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