Orar
Celebrar o Tempo da Criação com a oração suscita em nós a imaginação da beleza natural que encontramos quando passeamos pela floresta ou na subida de uma montanha. Diante dessa beleza é natural sentir interiormente o impulso de louvor a Deus por tudo o que Ele criou e por nos ter dado a consciência de nos darmos conta disso. Mas rezarias assim se tivesses um furacão a dirigir-se na tua direcção?
Os furacões sempre existiram. Por que razão parecem ser mais intensos actualmente? Será por causa das alterações climáticas que muitos falam? Ou será porque existem mais pessoas a viver nos habituais trajectos destas manifestações da força que a natureza tem? Talvez a resposta seja afirmativa a todas estas perguntas porque tudo está ligado. Mas no que diz respeito aos furacões, a intensificação deve-se à maior quantidade de energia para os “alimentar”. Quando queimamos combustíveis fósseis, a energia que utilizamos pode ir de 40% a 90% da total consumida. A restante vai-se acumulando na atmosfera e, sobretudo, na água dos oceanos. Logo, muita energia acumulada. Depois, o próprio aquecimento da atmosfera induz uma maior evaporação da água dos oceanos e essa é o combustível que alimenta os furacões que podem levar uma pessoa a rezar quando os vêem na sua direcção.
É muito importante dedicar um tempo à oração tendo a criação em mente por essa ser um dos lugares mais espontâneos de experimentarmos uma união especial com Deus, mas não podemos esquecer todos os aspectos menos positivos que afectam a vida humana. As catástrofes ou fenómenos explosivos naturais fazem também parte da criação e não é, de todo, evidente pensar no significado de os incluir na nossa oração.
No Evangelho, Deus convida-nos a amar os nossos inimigos, mas se aplicássemos esse princípio a tudo o que na natureza afecta negativamente a nossa vida, estaríamos a alimentar a velha e (esperamos) ultrapassada ideia de dominar a natureza para evitar que o “inimigo” faça das suas. Talvez fizesse mais sentido pensar que, do mesmo modo que posso amar o meu o inimigo, mesmo que não goste dele, posso amar uma monção mesmo que não goste dela. Porém, ao escrever estas palavras sinto ser ainda difícil compreender o modo de amarmos o que é negativo no mundo natural. Aliás, negativo?
Um relâmpago, tempestade, derrocada, furação ou qualquer animal ou planta que seja caso de dano humano não tem qualquer intenção disso. A chuva que cai e inunda uma cidade não escolhe quem morre e quem sobrevive. Não se trata de uma natureza apática diante do sofrimento que causa, mas da dinâmica própria de um universo finito. Não sei, mas custa-me crer que Jesus tenha negado o Paraíso aos soldados romanos que O fizeram sofrer. Pois disse, — «Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem.»— e talvez a suas palavras sejam as que a nossa boca pode pronunciar diante de uma catástrofe natural que afecta a nossa vida — Pai, perdoa a natureza porque não sabe o que faz. Mas no momento em que reconhecemos que muitas das transformações da natureza estão intensificadas pelos nossos estilos de vida, custa reconhecer que a causa do nosso sofrimento por via de alterações climáticas sejamos nós.
Neste mês em que somos convidadados a dedicar particular atenção ao Tempo da Criação, cada oração é uma oportunidade de repensar os nossos estilos de vida. E não é preciso presidir a um país, ou ser administrador de uma grande empresa para realizar as mudanças necessárias. Greta Thunberg sentou-se diante do parlamento do seu país e fez uma greve de aulas. Fiquei chocado por não estar de acordo com aquela atitude, mas a verdade é que produziu mais impacte do que qualquer texto com reflexões mais ou menos profundas (como este).
Nos âmbitos ecológicos temos a tendência de passar a mensagem de que o futuro está nas nossas mãos, na nossa inteligência e até no nosso coração. É raro incluir-se a oração porque nem todos rezamos, mas todos contemplamos. E contemplar é das formas mais universais de rezar.
Orar no tempo da criação inspira-nos a ir para além de nós próprios, das nossas seguranças, desejos e anseios, para reconhecermos a nossa pequenez, e o quanto temos ainda por compreender e amar um mundo com erupções vulcânicas. Quando na Laudato Si’ o Papa escreve que o universo é como uma linguagem através da qual Deus nos fala, ao pensar nos ventos fortes e em tudo o que na natureza aparenta ter um efeito destruidor, será que Deus está — por assim dizer — a gritar connosco ou a dizer algo forte como quão pouco sabemos sobre o mundo que nos rodeia? Ou será que está connosco e escuta a natureza que também fala e grita ao seu modo?
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