Quem?
Muitas vezes pergunto — «quem é Deus?»— ao que habitualmente respondo — «não sei.» — E parece-me uma boa resposta até que alguém a questione. Quando respondo a esta questão, quero dizer que desconheço Deus e encontro aí a motivação para O conhecer melhor. Mas quando me confrontaram com uma resposta diferente da minha a “quem é Deus?” disseram-me — «tudo!» — o que também me parece uma boa resposta. Não são respostas contraditórias porque, na verdade, não respondem à mesma pergunta. Aliás, a pergunta “quem é Deus?” está incompleta.
Os que respondem não sei, na realidade, têm em mente a pergunta: quem é Deus em si? E os que respondem tudo, a pergunta que lhes teriam feito seria: quem é Deus para ti? A primeira refere-se à substância e modo de ser em Deus, enquanto a segunda refere-se ao relacionamento que temos com Deus.
“Quem?” é uma pergunta especial porque se refere sempre a uma pessoa. Mesmo relativo a outros seres vivos, como os animais, a pergunta mais comum é “Qual?” E ao reflectir sobre a questão no seu modo incompleto, percebi como inclui duas naturezas da nossa existência: a interior; e a relacional.
A existência interior refere-se às pessoas em si mesmas, o que parte do seu interior e será sempre muito difícil responder a essa questão porque até nós conhecemos pouco o nosso interior. Por isso, quantas vezes não agimos e nos questionámos — «Por que razão disse aquilo? Por que razão fiz daquela maneira? Onde é que eu tinha a cabeça?»
A existência relacional é o que conhecemos de nós quando os outros nos acolhem e fazem sentir que existimos. Não nos ignoram, mas no relacionamento com eles encontramos o nosso valor, o valor da nossa existência.
O que perguntam mais as pessoas quando atendem o telefone de um número que desconhecem, ou lhes tocam à campainha? — «quem é?» E quantas vezes nos respondem, ou nós respondemos — «sou eu» — sentindo do outro lado o reconhecimento da nossa pessoa. Se completássemos a pergunta com - «quem é para mim?» — talvez a pessoa do outro lado do intercomunicador ficasse um pouco constrangida. E mais ainda se lhe perguntássemos — «quem é em si?» — ao que nos arriscaríamos uma resposta do outro lado em forma de pergunta — «o quê?». Não imaginava que houvesse este grau de profundidade nesta tão simples pergunta que, se estiver incompleta, encontra todo o sentido no contexto do quotidiano e dispensa mais detalhes.
Enquanto arrumava a cozinha pensava numa pergunta que muitos também fazem, mas poucos respondem — «quem faz?» — e não me entendam mal. Quando referi a cozinha foi por ter sido uma escolha minha apesar dos miúdos se terem oferecido para a arrumar. Eles fizeram o jantar e, apesar de cansado, achei que era o mínimo que eu poderia fazer. “Quem faz?” apela à responsabilidade e a tudo o que tem a ver com o agir humano.
Por fim, em muitas ideias que as pessoas dão para que se faça é legítimo perguntar — «quem pensa?» Cada ideia é uma responsabilidade, mas isso exige que reservemos alguma atenção para pensar bem sobre as coisas. Pois, se não houver quem pense nelas, não se fazem.
Neste tempo da criação, penso ainda nas pessoas que tratam os animais de estimação como pessoas. Será que lhes dirigem esta pergunta? Só me ocorre no sentido carinhoso e há quem lhe faça alguma impressão ver alguém (humano) a tratar o seu animal de estimação ao mesmo nível que uma pessoa. Pois, em alguns casos, há quem pense mais no trato dos seus animais do que no trato das pessoas à sua volta. Mas o Tempo da Criação convida-nos a não julgar, pois, até sabermos as razões de uma pessoa tratar os animais como pessoas, sabemos muito pouco. Por outro lado, descobrir um sentido particular de “pessoa” nos animais, plantas e demais elementos do mundo natural faz mais sentido quando pensamos na família da criação.
No sentido mais geral, ao longo do tempo, tenho descoberto como são os relacionamentos que personalizam todas as entidades que Deus criou neste universo, independentemente do seu grau de consciência. Só o ser humano tem consciência de si mesmo e percepciona a presença de Alguém que dá sentido e significado a tudo o que existe. Será, talvez, a presença de Deus sob os relacionamento de amor entre as coisas que nos ajudará a acolher a sua dimensão relacional.
Uma pedra nunca será uma pessoa como um ser humano, mas não são os altares “quem” suporta Jesus na custódia?
Uma flor nunca será uma pessoa como um ser humano, mas não são as flores “quem” embeleza os altares nos tempos de oração?
Quem me dera que encontrássemos o modo justo de personalizar a natureza para descobrirmos melhor a presença de Deus. Teríamos mais respeito por essa e viveríamos com outra intensidade o Tempo da Criação.
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