Milagre
mi·la·gre
(latim miraculum, -i, maravilha, coisa extraordinária, milagre)
nome masculino
- Facto sobrenatural oposto às leis da Natureza.
- Portento, maravilha, prodígio.
No passado dia 13 de outubro, uma multidão de peregrinos caminhou ou foi até ao Santuário de Fátima por ocasião da celebração do milagre do Sol. Até poderíamos procurar uma explicação científica para o fenómeno como fez Stanley Jaki em “God and the sun at Fatima”. Mas, o verdadeiro milagre não estará no facto das crianças saberem que algo extraordinário aconteceria, como foi testemunhado por muitas pessoas naquele dia? O milagre do Sol está mais relacionado com o deslumbramento da informação do que a espetacularidade do fenómeno em si. Mas não tenho qualquer experiência pessoal relacionada com o milagre do Sol senão partilhar esse dia com o meu nascimento há 45 anos.
Pensei no milagre da vida. Quando os meus filhos nasceram, a vida transformou-se completamente. E essa parece-me ser a visão mais profunda e genuína de milagre: a transformação da nossa visão do mundo. Mas não pode ser uma transformação qualquer. Um milagre faz-nos experimentar como a realidade está para além daquilo que pensávamos ser real. Um milagre revela uma infinidade de camadas de percepção da realidade. Por isso dizia que transforma a visão do mundo.
Um milagre na sua forma mais autêntica actua no mais íntimo de nós mesmos. Desafia o conhecimento estabelecido sem o negar, mas revela haver um “algo mais” que nos leva a ver o mundo com olhos novos. Talvez seja por causa deste novo olhar que sinta a palavra maravilha como a definição que mais se aproxima desta visão. E se tudo o que muda o nosso íntimo, no sentido de uma vida mais profunda, é um milagre, então, existem mais milagres no universo do que pensamos, o que representa um risco.
Se gosto de doces, quanto mais como, menos acabo por saborear porque o doce torna-se uma experiência banal. Se considerar tudo o que transforma o meu modo de ver as coisas como um milagre, o risco que corro é o de que esta experiência se torne banal, deixando de ser milagrosa. Por isso, o que transforma a visão do mundo de uma pessoa pode ser diferente daquilo que transforma a visão de outra. O que é milagre para mim pode não ser para ti e o segundo risco é o da subjectividade.
Por mais que alguém queira encontrar uma boa explicação para um milagre, dado o seu carácter interior e íntimo, vivido na primeira pessoa, quando é partilhado, quem o procura explicar para nós, sai imediatamente fora do contexto transformativo do milagre e pode chegar mesmo a desprezá-lo. E o valor que o milagre tem para nós pode abafar-se na incompreensão do outro pela experiência que fizemos. Por isso, devemos calarmo-nos diante de um milagre? Tudo depende do modo como falamos.
Se um milagre transforma realmente a visão que temos do mundo e da vida, nota-se. Por isso, talvez o melhor modo de comunicar um milagre que experimentámos na nossa vida seja a de mostrarmos, com o silêncio, o efeito que esse milagre produziu em nós. Quantas vezes vemos alguém que antes estava sempre com uma cara triste, e passou a sorrir e vemos nesse sorriso uma beleza incrível que não imaginávamos. Ficamos curiosos e resolvemos perguntar. Cuidemos bem da resposta, com a atenção que merece, porque conheceremos o milagre que transformou a face dessa pessoa. Já vi coisas extraordinárias como alguém levantar-se de uma cadeira de rodas, mas o maior milagre que vi foi a transformação de vida de um rapaz que diante de um cântico simples, e sem grandes floreados, a ecoar na basílica onde nos encontrávamos, chora e muda de vida. Aliás, descobriu a vida e com a sua transformação mostrou-me que a Deus nada é impossível.
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