Tecnostress

Crónicas 21 outubro 2021  •  Tempo de Leitura: 6

Quando era mais novo e tinha acabado o segundo ano da Universidade, não sei bem por que razão, mas achava que 1997 seria um grande ano. Foi? Nem por isso. Foi um ano normal, mas ao ler recentemente um livro intitulado Tecnostress fiquei admirado como há quase 25 anos se previa o que acontece hoje.



Michelle Weil e Larry Rosen, ambos médicos, definiram por tecnostress — «a irritação que sentimos quando as nossas fronteiras estão a ser constantemente invadidas por beeps, (…) e conversas de telemóvel na mesa de restaurante ao nosso lado durante o jantar, no cinema, ou em qualquer outro lugar onde gozávamos de paz e sossego.» O curioso é que hoje tudo isso acontece e os nossos sentidos anestesiaram-se, de tal modo que o tecnostress do passado entranhou-se no quotidiano e surgiram novas fontes como os pings, as vibrações no bolso das calças, e as ininterruptas mensagens ou notificações.



Ainda antes, em 1982, John Naisbit no seu livro Megatrends referia notar-se como «a mudança está a ocorrer tão rápido que não existe tempo para reagir.» Mas em vez que travarmos, retirámos a fricção com as nossas apps e redes sociais onde reagir nunca foi tão fácil quanto um clicar com o dedo num ecrã de bolso. Diminuímos a fricção da reacção e, com isso, aumentámos o tecnostress. Um relatório publicado em janeiro de 2020 leva-nos a perceber como os neurocientistas estão preocupados e a examinar com detalhe o efeito que o uso excessivo das redes sociais tem sobre o funcionamento do nosso cérebro. Não apenas do ponto de vista do realinhamento neuronal como dos possíveis danos que podem causar à saúde mental e ao comportamento humano. O propósito será evitar que nos tornemos zombies viciados em apps incapazes de viver sem tecnostress.



A resposta para os problemas levantados pelo tecnostress não está em recusar a tecnologia porque todos reconhecemos o bem que essa tem feito às nossas vidas. A resposta está em avaliar cada manifestação tecnológica criada pelo ser humano, que mérito tem, pesando bem os prós e contras, antes dessa criar qualquer dependência. Temo que isso seja cada vez mais difícil. Pois, para um número considerável de pessoas, a ideia de passar um dia sem estarem conectadas através de um smartphone ou tablet à rede é inquietante. Tornamo-nos vítimas de uma espécie de tecnose aguda, com um lento e crescente apego cada vez maior à tecnologia que temos na mão. Começa a ser difícil saber onde termina o que somos e se inicia o tecno-ser.


Em 1997, Weil e Rosen escreviam que — «as famílias e os amigos mantêm-se em “contacto”, mas raramente se encontram conectados ou se vêem.» Um drama acentuado pela experiência da pandemia, mas que já se notava, por exemplo, com casais que podiam ficar uma a duas horas sentados num restaurante a jantar sem trocar um olhar, toque, ou palavra, vivendo aquele momento a dois a sós com o seu telemóvel. Eu presenciei-o.


Um aspecto relevante para o tecnostress é o tempo. A ideia que nos vendem com o novo modelo de tecnologia é a de uma vida facilitada e com mais tempo para estar junto daqueles que mais amamos. Com o novo portátil que tem tudo e mais alguma coisa, fazer um relatório tornou-se simples e rápido. Porém, já pensaram como vivemos, constantemente, a tentar evitar o colapso mental com tudo o que temos para fazer. É que sendo mais fácil fazer uma coisa, mas coisas nos dão para fazer. Faz lembrar o episódio de Lucy e a fábrica de chocolate. 


Lucy e a sua amiga têm uma última oportunidade de manter o seu emprego a trabalhar num tapete onde aparecem uns bombons de chocolate que devem embrulhar em papel. No início, a velocidade fá-las sentir como a tarefa é fácil, mas o tapete começa a acelerar, e o número de bombons a aumentar até que se torna um verdadeiro e hilariante stress para evitarem que haja um bombom sem embrulho no fim do tapete. Entretanto, ouvem o sinal de que o tapete irá parar e a supervisora está prestes a chegar para avaliar o trabalho de Lucy e a amiga. Ao ver que não havia qualquer bombom no tapete, a supervisora fica muito satisfeita e grita — «aumentem a velocidade!» Arghh!



Não deixa de ser curioso que apesar de tudo o que na nossa vida é facilitado pela inovação tecnológica, as pessoas continuam impacientes, frustradas, às vezes descontroladas, dormem menos, esperam menos, estão fisiologicamente estimuladas pelas cores saturadas e continuam a queixar-se de não ter tempo.



Antigamente, demorava mais tempo entre uma inovação tecnológica e a próxima. E durante esse hiato tínhamos a oportunidade de avaliar se a nova tecnologia servia e trazia, ou não, mais valor à nossa vida. Havia tempo para decidir sem tecnostress. E hoje? Há que parar para não stressar e inovar nas pausas. Felizmente, ser criativo é humano.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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