Belo
Há dias cruzei-me com o filósofo e poeta Ralph Waldo Emerson. Eu encontrava-me na fase encarnada da vida e ele na fase encadernada. Lia no seu “Espírito da Natureza”que
«a condição humana constitui a solução (...) às perguntas que ela própria formula. Antes de a apreender como verdade, realiza-a, como vida.»
Haverá alguém que olhe para o céu cheio de estrelas e fique indiferente? Qual a razão das estrelas nos impulsionarem a um acto imponderado de contemplação? Diz Emerson que
«As estrelas inspiram reverência, pois, embora presentes, não deixam de ser inacessíveis.»
«todos os objectos da Natureza criam uma impressão semelhante quanto a mente se abre perante a sua influência.»
Toda a crise climática que estamos a viver é uma crise do homem do passado que julgou possuir o que não era seu, mas gerou os hábitos na nossa geração para mantermos na história o seu sentido de posse. Creio que foi uma posse por ignorância (nada douta por sinal). E um modo de recuperar a compreensão de que nada na natureza é nosso, nem nos foi dado, mas é parte de nós e nós parte dessa, implica encontrar o belo de uma paisagem. Uma experiência que Emerson vivia no seu quotidiano —
«A encantadora paisagem que ainda hoje, de manhã, contemplei, era, com absoluta certeza, dumas vinte ou trinta herdades. Millar é o dono daquele terreno; Locke, daqueloutro e Manning, do bosque, mais para além. No entanto, nenhum deles possui a paisagem.»
Contemplar uma paisagem envolve os nossos sentidos. Habitualmente, usamos mais os sentidos exteriores, mas não podemos esquecer os interiores. Quando os sentidos interiores se harmonizam com os exteriores através do amadurecimento pessoal, acabamos por conservar o espírito das crianças que não cessam de se deslumbrar com as mesmas coisas, ininterruptamente. A abertura da mente gerada pelo inacessível convida-nos a rever o nosso relacionamento com a natureza através dos sentidos interiores e exteriores. E a relação do espírito das crianças desperto em nós «com o céu e com a terra converte-se em parte do seu alimento quotidiano.» Isto é, sacia a nossa sede do que é belo.
A incapacidade de mudar os nossos ritmos de vida para que se tornem mais sustentáveis aos sentidos interiores e exteriores, advém de um certo voltar o olhar para si próprio. O ego que se torna -ismo. Mas,
«De pé, sobre a terra desnuda, com a minha cabeça banhada num ar jovial e elevado no espaço infinito, esvai-se tudo o que sugere egoísmo. Converto-me num globo ocular transparente, não sou nada, vejo tudo; as correntes do Ser Universal circulam através do meu corpo; sou uma parte ou partícula de Deus.»
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