Extremo
Geneticamente, eu e a minha esposa temos 25% de probabilidade de um filho nascer com olhos azuis. Com a nossa primeira filha foi isso que aconteceu. Porém, pelas leis da probabilidade, ter um segundo filho de seguida com os olhos azuis é ainda mais improvável. Havia somente 6.25% de probabilidade de isso acontecer, mas aconteceu! Foi uma delícia da vida extrema que nos mostrou como as improbabilidades são os extremos de uma distribuição, mas não deixam, por isso, de serem realidades possíveis na nossa existência.
Estava a pensar nesta palavra porque diante do desafio climático sentia como chegámos ao extremo daquilo que podíamos ter feito para inverter a situação planetária. E como quem está pouco ciente dos modelos científicos, ou não entende bem o valor dos números que lhe apresentam, facilmente pode sentir que as pessoas são de extremos. E, assim, desvaloriza os factos que lhe apresentam por dizerem muito pouco sobre o impacte a curto-prazo que têm na sua vida. Mas os eventos anteriormente extremos e, por isso, improváveis, tornam-se cada vez mais frequentes e incontornáveis. E a extrema dor que os mais afectados sentem merece um extremo-amor da parte de cada pessoa que deseja tornar-se, verdadeiramente, humana.
Quando Deus nos criou por amor e para o amor, teve uma ideia extrema e concretizou-a. Demorou muitos milhares de anos até se realizar e uns poderão pensar — «por que razão demorou tanto para produzir tão pouco?» De facto, como pode o extremo-amor provir de pessoas que, sem se darem conta, com os seus comportamentos consumistas, provocam extrema dor nas pessoas que tem menos recursos? Estou a ser extremo nesta impressão, eu sei, mas se não mudar para os extremos do desapego, generosidade, humildade, criatividade e, em última análise, amor, cairemos nos extremismos causados pela injustiça e dor.
A perspectiva ecológica do extremo-amor implica estarmos conscientes da necessidade de ir um pouco mais além daquilo que pensamos ser capazes de fazer. Implica um esvaziar-se extremo de si para se abrir extremamente ao que está fora de si, e para além de si mesmo. Implica uma certa kénose como a teologia nos ensina. Isto é, Deus que se esvaziou de si próprio para se fazer um de nós. É impossível imaginar maior saída da zona de conforto do que esta. Escolher um estilo de vida:
- com maior atenção ao modo como gastamos a energia,
- ou selecionar o que comemos,
- ou alterar o tipo de alimentos,
- ou viver com menos coisas,
- ou reparar em vez de comprar de novo,
- ou reduzir a quantidade de plástico,
- ou passar mais tempo em ambientes naturais,
- ou ir ao encontro do pobre e das suas necessidades,
- ou dar do nosso tempo para escutar quem precisa,
- ou compreender quem se sente incompreendido,
- ou prestar atenção à presença de Deus sob cada elemento ou relacionamento no mundo natural...
O risco de escrevermos muito sobre o que temos de mudar para enfrentar o desafio ecológico é o de ser mais um conjunto de pensamentos que estamos fartos de ler por todo o lado e mais algum. E eu subscrevo. Mas, nos extremos entre fazer demais ou de-menos, prefiro o primeiro extremo.
A urgência está na passagem das palavras aos actos. E escutar tudo o que devemos fazemos pode tornar a mudança necessária numa montanha difícil de escalar. Mas como em qualquer escalada até chegar ao extremo de cima, o cume, são os pequenos passos, as pequenas insistências para vencer as resistências, o retomar do caminho quando a vida nos brinda com retrocessos que no aproximam do destino. É a resiliência da tartaruga que nos permite vencer a lebre do desânimo que rapidamente se faz sentir e cansa. Em última instância, sabemos que o resultado extremo de quem dá a vida por coisas grandes com passos pequenos é a revolução que faz história. Hoje, temos a possibilidade de, com a nossa singela vida, mudar o curso dessa história por muito, muito tempo.
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