Ensinodinâmica
Será o ensinamento da Igreja um entrave cultural que mina o seu propósito? Muitas pessoas têm dificuldade em ligar os ensinamentos da Igreja ao que vivem no seu tempo e pensam que esses estão desactualizados. Nesse sentido, o ensino da Igreja corre o risco de deixar de nos ajudar a amadurecer na vida em Deus. Mas, como em toda a actividade pedagógica, quase tudo depende daqueles que ensinam, não do ensinamento em si mesmo. Daí que pense em ensinodinâmica.
Na disciplina de Termodinâmica, os sistemas em estudo e análise estão muitas vezes em equilíbrio. Mas o equilíbrio não é algo estático (senão a disciplina seria a “Termoestática”), mas dinâmico. Assim, como os tempos mudam, também as pessoas evoluem no seu modo de ser e estar, sobretudo pela influência que tem a tecnologia no processo de aprendizagem e encontro com cada cultura. Logo, só um ensino capaz de se adaptar consegue vingar. A ensinodinâmica corresponde a um equilíbrio dinâmico dos ensinamentos partilhados.
Há seis anos que dou aulas de Transmissão de Calor e os ensinamentos básicos para a compreensão desta disciplina e aplicação à engenharia são os mesmos há dezenas de anos (senão tiverem chegado já à centena). Mas o modo como eu ensino altera-se ao longo dos anos porque as pessoas que tenho diante de mim são diferentes, e porque eu próprio aprofundo o modo como compreendo as coisas. Aliás, nas vezes em que optei por não evoluir no modo de ensinar foram os momentos onde senti que os ensinamentos foram menos acolhidos e talvez tivessem levado à desmotivação pela disciplina. Algo semelhante pode acontecer com os ensinamentos da Igreja.
Ao contrário da ciência que evolui de modo horizontal havendo ensinamentos posteriores que poderão substituir os anteriores, no caso da fé, o conhecimento e experiência religiosos evoluem de um modo vertical no sentido da profundidade. Isto é, um ensinamento posterior não substitui o anterior, mas aprofunda-o. Por isso, na ensinodinâmica da fé, através dos ensinamentos da Igreja, o resultado é uma vida mais profunda. Por isso, quando um ensinamento entra em choque cultural com o mundo, uns optam pela “ensinoestática” e são do contra, em vez de optarem pela ensinodinâmica e procurarem que aprofundamento se esconde por detrás do choque cultural.
As questões do aborto, eutanásia, homossexualidade, e qualquer outra situação que gera um choque cultural entre a realidade vivida pelas pessoas, as suas escolhas, e o ensinamento da Igreja, pode tornar-se numa oportunidade de ir ao encontro da essência de qualquer ensinamento: o amor. Pois, do mesmo modo que diante de um aluno que me faz uma pergunta sobre o que não entendeu (ainda que eu considere ser um conhecimento básico), e procuro amá-lo, pacientemente repetindo o que havia dito, também diante de alguém que pensa algo contrário ao ensinamento da Igreja, devo procurar amá-lo.
Há quem ame mais o ensinamento que a pessoa a quem o dirige e isso reduz-se à “ensinoestática” porque mantém o ensinamento aprisionado na prescrição que, sem nos darmos conta, nos afasta o amor-ágape. Por outro lado, quem ama mais a pessoa que o ensinamento que lhe dirige, abre o coração e a inteligência para que do contraste entre o pensamento e a vida surjam novas compreensão do ensinamento. Compreenssões mais profundas porque o amor é a energia relacional que escava a consciência superficial das coisas e aventura-se na descoberta da verdade que não se esgota por assentar n’Aquele que é a Verdade. O amor é a essência da ensinodinâmica.
Às vezes sinto que as pessoas absolutizam o ensinamento da Igreja ao ponto de lhe retirarem o espaço que precisa para se confrontar, permanentemente, com o mundo contemporâneo no caminho inesgotável do aprofundamento das realidade espirituais d’Aquele que nos ensina todas as coisas.
Muitos alunos perguntam pela fórmula a usar e fixam o seu conhecimento no conhecimento das fórmulas, sem saber a sua origem ou razão de ser. Por isso, quando surgem novas situações e não sabem adaptar as expressões, ou procurar novas expressões (por haver espaço para a criatividade), limitam o conhecimento que poderiam desenvolver ao que sabem (porque sempre foi assim).
O mundo está sempre a mudar. Deus não cessa de criar. Por isso, na ensinodinâmicanão se procuram somente fórmulas novas para expressar melhor a essência da realidade que descrevem. Procura-se sobretudo a humildade em reconhecer que estamos sempre a aprender, sendo inconcebível cristalizar a vida com ensinamentos estáticos. A vida flui sempre por onde flui melhor e um ensinamento que nos aproxima da verdade é dinâmico e está sempre a evoluir porque o amor mantém viva a nossa criatividade.
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