Aqui

Crónicas 9 dezembro 2021  •  Tempo de Leitura: 6

Deus, onde estás? — «Aqui.» (intuímos e cantamos) — Mas, aqui, onde? Quando cantamos, talvez nos estejamos a referir ao lugar onde estamos. Mas, aqui é demasiado indefinido para poder encontrar Deus seja em que lugar for. Ou suficientemente indefinido para O poder encontrar onde quer que seja. Ou, talvez, aqui significa comigo. “Aqui” suscita tanto a dúvida, como me pede uma maior sensibilidade à certeza da Sua presença. 

Será que “aqui” se refere a um lugar ou a um momento? “Aqui” como quem diz — «no tempo presente.» Custa sempre entender o silêncio de Deus quando queremos experimentar a Sua presença no lugar e momento da história em que nos encontramos. Talvez porque depois de Jesus — a Palavra em Absoluto —, seja o tempo do Espírito Santo — a Escuta em Absoluto. Como escutar implica silenciar, resta-nos sempre a dúvida em relação à presença ou ausência de Deus.

Se somos feitos à imagem e semelhança de Deus e para cada pessoa existe apenas um momento único de presença na História Humana (não nascemos, fisicamente, duas vezes), Jesus nunca poderia voltar do mesmo modo como se fez presente há 2000 anos. Também não sabemos o modo como Deus voltará, ou se já voltou. Apenas sabemos o que experimentamos “aqui e agora”, com as dores e ardores deste tempo incerto.

Quando Heisenberg estabeleceu o princípio da incerteza na mecânica quântica, cujo resultado é a impossibilidade de saber ao mesmo tempo onde está uma partícula e que velocidade tem, sempre entendi como, sabendo a velocidade, a partícula pode estar em qualquer lugar. Por outro lado, se sei onde a partícula está, não sei que velocidade tem e para onde vai, logo, pode ir em qualquer direcção. Curiosamente não posso aplicar este princípio a Deus porque Ele está aqui e em toda a parte, e na eternidade não há velocidade porque o tempo como nós o experimentamos é radicalmente diferente e desconhecido. Mas, também Deus é existência e, por isso, não pode existir como existem todas as outras coisas feitas de partículas. Por isso, não posso aplicar estes princípios a Deus para entender o paradoxo de Ele estar aqui e em toda a parte porque Deus não é feito de partículas.
Por vezes procuro algum sentido compreensível na impressão de estar diante de uma presença que dá sentido e significado a tudo o que vivo. Porém, o sentido compreensível que procuro não se destina tanto a mim quanto à necessidade de partilhar essa impressão com os outros. Procuro mais o compreensível para me fazer compreender, mas será sempre difícil e ingrato. Pois, ninguém está dentro de ninguém. Somos um mistério inefável de corpo, mente e espírito que precisa dos relacionamentos para saber situar-se “aqui” no espaço e no tempo.
Muitas vezes apontamos para o coração para responder “onde está Deus?” — «está aqui.»— porque o coração é o que mantém a vida a fluir, e essa é a experiência que muitos fazem de Deus. Isto é, procuram Deus no coração de cada pessoa, indo ao seu encontro para estar com Ele através dos mais simples gestos de amor fraterno. Quantas vezes não procuramos Deus em todo lado excepto nas pessoas que estão diante de nós? Não sei por que razão Deus quer habitar no íntimo de cada pessoa para se revelar através do amor entre elas. Talvez seja um sinal da natureza relacional daquilo que somos.

Uns acreditam que poderíamos não acreditar em Deus e a vida seria mais simples. Não teria ninguém a quem prestar contas senão a mim mesmo. Poderíamos somente viver de valores humanos. Mas quando penso nisso, todos os humanos em cada época viveram de acordo com o que consideravam serem os melhores valores. O valor da aristocracia onde o servente e o senhor possuem lugares distintos e separados, hoje, não tem qualquer sentido. Pelo que, assentar a vida ética nos valores humanos leva-nos a estar sempre restritos ao modo transitório de os entendermos na nossa época. Com a dimensão espiritual assente na divina é diferente.

Ninguém conhece totalmente até onde pode ir a vida profunda. Sabemos apenas o que conseguimos experimentar aqui no lugar onde vivemos ou momento da história onde navegamos. Acreditar em Deus é uma experiência ao alcance da nossa consciência e vivência concreta. Quando experimento uma unidade profunda com alguém e tenho dificuldade em explicar a razão, é aqui que Ele se encontra. Quando na dor física encontro a força para esboçar um sorriso é aqui que Ele se encontra. Quando entendo algo que sempre ouvi de uma maneira nova é aqui que Ele se encontra.

 


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Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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