Que palavras ainda não disseste?

Crónicas 23 fevereiro 2022  •  Tempo de Leitura: 3

O mundo vai girando, os anos passam, as pessoas passam pela nossa vida, os projetos realizam-se. Outros deixam-se cair e morrer. Enquanto a vida acontece, perdemos tempo. Não nos guardamos para as coisas importantes. Não mergulhamos no que nos acontece de coração aberto e deixamos que tudo nos atravesse sem (muitas vezes) deixar marca.

 

Quando é que acordamos? Quando nos acontece a morte, a doença, a traição, o choque, um acidente, uma queda. Acordamos porque a vida nos quer chamar a atenção. Quer dizer-nos que há um mundo de coisas que não estamos a fazer bem. Precisa de nos fazer cair para nos ensinar a levantar. Isso não quer dizer que a morte, as doenças, as traições ou as quedas (mesmo físicas!) sejam boas. Mas são, de facto, necessárias. É a morte que nos ensina a olhar para a vida de outras formas. É a doença que nos ensina a valorizar a saúde e a encetar as mudanças que, de outra forma, não teríamos coragem para fazer. É a traição que nos ensina a amar melhor os outros para não sermos iguais ao que traíram. É a queda que me faz partir um braço que me ensina a pedir ajuda, a precisar do outro para cuidar de mim.

 

Quando a vida te faz pensar, que palavras te surgem? Que coisas ainda precisas de dizer e não consegues? Ou ainda não conseguiste?

 

Se tens saudades, faz a viagem e vai à procura daquele aperto bonito que só os nossos nos dão.

 

Se amas, diz que é assim que te sentes. Que tens a voz da outra pessoa presa na garganta e que precisas dela para viver (melhor).

 

Se tens uma mágoa presa que não te deixa engolir, escreve a mensagem. Liga. Encontra-te com a pessoa e diz-lhe que podia ter feito melhor. Que merecias melhor. Que não entendes, ainda que queiras.

 

Se não sabes o que fazer, reza. Fecha os olhos e atira para Cima tudo aquilo que te faz envelhecer os dias e lhes apaga a luz.

 

Se precisas de mudar de vida, faz por isso. Diz a quem de direito o que ainda é preciso ser dito. Sem magoar. Com a calma de um barco que sabe para onde vai, mesmo que receba uma outra tempestade.

 

Pensa no que ainda não disseste. E diz.

 

Quando se tem a coragem de quem ama não há nada que possa ficar por dizer.

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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