Sair
O que significa uma Igreja em saída? Significa que está a fugir do mundo porque tem vergonha daqueles que pecaram gravemente e haviam (supostamente) dedicado toda a sua vida a Jesus? Significa que está a sair do panorama cultural e a ser ultrapassada por tantas outras linhas de aprofundamento do espírito humano? Significa, como diz o papa Francisco, que precisa de ir ao encontro daqueles que estão nas periferias, dos mais pobres (de bolso ou de espírito), escutá-los e ajudar no que for possível? Ou significa ainda que Deus a convida a sair de si mesma porque há demasiado tempo que se centra sobre os seus problemas? Que Igreja sou e és tu (se dela fazes parte) se não sairmos do nosso conforto para meter as mãos na massa do mundo na esperança de a renovar a partir do seu/nosso interior?
Podem ser muitas as questões que nos colocamos com esta expressão de “Igreja em saída”, mas a mais evidente parece ser: ir ter com as periferias. E muitas são as possibilidades de o fazer, mas quanto ao significado recordo-me de uma experiência. Com a minha esposa fomos partilhar o estilo de vida das Famílias Novas do Movimento dos Focolares com pessoas que não o conheciam. Recordo-me de reflectir como duvidávamos se a nossa experiência teria algum valor para os outros porque talvez tivesse entrado um pouco em rotina para nós. Mas quando terminávamos a nossa partilha, as impressões impressionavam-nos. Víamos os olhares humedecidos com o modo como procurávamos viver o Evangelho em família segundo o carisma dos Focolares, com palavras de que haviam encontrado uma nova esperança através do nosso testemunho, e percebemos que, frequentemente, são os outros que nos ajudam a redescobrir o encanto daquilo que vivemos. Vejo uma “Igreja em saída” assim.
Enquanto não partilharmos a vida do Evangelho com aqueles que estão nas periferias, corremos o risco de entrar em rotina, ou mais grave, de nos isolarmos das mudanças culturais que afectam a vida de tantas pessoas. Por vezes preparamos actividades de evangelização à espera que os que estão na periferia participem porque “sabemos quão bom é o que preparámos e quantos corações havemos de conquistar.” Zero será o mais provável. Sair implica ir ao encontro do outro, mas não tanto com a nossa palavra quanto com o nosso ouvido que escuta, mãos que se estendem, e só se alguém pedir uma palavra, então, oferecemos a que temos. Mas pouco se pensa num grupo maior do que o daqueles que estão na periferia, e que faze também parte deste “sair”. O grupo dos que estão dentro.
Recentemente ouvia uma partilha de que nos preocupávamos tanto com os poucos que estão na periferia da Igreja que nos esquecemos da grande massa “normal” que está dentro. Há tempos havia uma publicidade turística de Portugal que dizia — «vá para fora cá dentro» — e penso que isso pode aplicar-se aos que participam regularmente na vida da Igreja. Uma experiência. Quando estava num retiro do grupo de jovens, o padre que orientava as meditações reflectia sobre a ovelha perdida e as 99 que se mantinham com o pastor. A um dado momento pergunta-nos como nos sentíamos: uma ovelha perdida; ou parte das 99? Quando chegou a minha vez fui sincero — «sinto-me uma ovelha perdida no meio das 99.» — Quantos não poderão sentir que a sua vida do Evangelho é “demasiado” normal de tal modo que ninguém lhes liga porque, se estão dentro, devem estar bem. Nem sempre é assim.
A formação espiritual é contínua e poderia incluir o desenvolvimento da capacidade de ler os sinais dos tempos para entendermos cada vez mais e melhor qual a Vontade de Deus para cada pessoa. Uma Igreja em saída para levar o amor de Deus às periferias é uma Igreja em saída oportunamente preparada. E muitas pessoas pensam que já sabem tudo o que há a saber sobre a vida da Igreja e do Evangelho. Por isso, se a sua preparação não acompanhar a evolução cultural, e continuar o caminho de aprofundamento espiritual, arrisca-se a ficar fora de prazo. E sair para ir ter com o mundo com um pensamento e vida fora de prazo significa correr o risco de nos considerarem lixo (perdoem-me a dureza).
Se a sinodalidade é o modo de ser da Igreja, sair-de-si-mesmo (dentro e fora da Igreja) é o modo de ser de cada cristão. Estamos sempre a aprender porque a novidade em Deus não cessa. Estamos sempre em êxodo porque não nos conformamos com a ausência de mudança, mas desejamos um mudar que procura sempre aprofundar. Nesse aprofundamento estou certo de que encontraremos a novidade que Deus quer oferecer ao mundo através do nosso testemunho.
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